“A nossa função não é só divertir e falar de cultura, mas é também dar um exemplo de vida a todas as pessoas à nossa volta”
Nasceu em 1963, em Moçambique, com o nome Luís Pereira e cedo enveredou pelo mundo das artes e cultura do país. Para os palcos e para o mundo escolheu o nome artístico Stewart Sukuma, que significa ‘levantar’ em zulu e ‘empurrar’ em suaíli. E é isso que pretende fazer, através do seu trabalho, ajudar Moçambique a avançar. Sukuma tem colaborado com a UNICEF em campanhas de prevenção do VIH, da violência e ainda relacionadas com a sobrevivência da criança. Em conversa com a SOMOS!, faz um diagnóstico da situação atual do país e diz ainda que a união da lusofonia só se cose com laços de amizade entre os povos.
SOMOS! – Nasceu no seio de uma família modesta e tudo começou com a oferta de uma guitarra numa festa para pessoas mais carenciadas…
Stewart Sukuma – Sim, isso já foi há muito tempo, finais dos anos 60. Recebi essa guitarra, mas não foi de lata como muita gente conta em África, foi uma guitarra de plástico (risos). Mas mais do que uma guitarra, mais do que uma premonição para aquilo que, se calhar, eu viria a ser, músico, foi o gesto de caridade e a experiência pela qual eu passei naquela altura, receber um presente. Era uma criança desfavorecida e disso nunca me vou esquecer.
SOMOS! – Foi então o momento.
Stewart Sukuma – Eu não diria que foi o momento determinante para eu seguir a minha carreira, mas acho que o gesto, em si, foi determinante para ser a pessoa que sou hoje.
SOMOS! – E quem é hoje?
Stewart Sukuma – Humano (risos), que aprendeu muito com essa lição e que tento passar para as atuais gerações.
SOMOS! – Pegando ainda na guitarra, não enquanto objeto, mas no significado que ela lhe trouxe, quantas guitarras já ofereceu a crianças que passaram o mesmo que o Sukuma?
Stewart Sukuma – Umas dez guitarras, entre crianças, escolas e instituições. E mais do que oferecer, eu quis passar a ideia do significado da entrega e da oferta sem, contudo, tornar isso num ato corriqueiro. Isto porque as pessoas não devem ficar à espera que se ofereçam coisas para trabalhar. Moçambique passou por fases em que a criatividade foi muito importante, tivemos de fazer das tripas coração para que as coisas acontecessem. Por outro lado, Moçambique passou por um processo triste, o das doações. Foi um país que recebeu muito apoio de todo o mundo e essa situação, para mim, tornou-se constrangedora no sentido que as pessoas ficavam sempre à espera que lhes fosse oferecido algo: comida, calçado, roupa e condições para viver…e isso fez com que muitas pessoas deixassem de trabalhar, de ter responsabilidade, para ficar de mão estendida. Situação exagerada, na minha opinião.
SOMOS! – Devemos ter cuidado com as ofertas.
Stewart Sukuma – Sem dúvida, quando oferecemos algo temos de ter o cuidado de explicar qual é a intenção, por que se oferece e o que se espera das pessoas que recebem uma oferta.
SOMOS! – Essa é ainda uma realidade que se vive em Moçambique?
Stewart Sukuma – E um pouco por todo o mundo. No caso concreto de Moçambique, as mazelas que ficaram desses anos em que o país só recebia ajuda ainda estão bastante presentes. As pessoas têm de ir à luta. Há casos de sucesso, pessoas que puseram o pé à frente e avançaram, muitas pessoas que dão esse exemplo. E há outras que se mantêm à espera de receber sem nada fazer.
SOMOS! – Isso é extensível à área cultural? Moçambique é um país extremamente rico nas danças, cantares, nas expressões…
Stewart Sukuma – Rico em termos culturais e de recursos naturais. É um país que se pode cultivar em toda a sua área, o clima é propício a isso. É um país que não se pode queixar em relação aos recursos naturais, em tudo. É um país que, não obstante essa diversidade cultural, se dá muito bem entre ele. Contrariamente ao norte de África, com guerras religiosas e étnicas, Moçambique não sofreu muito. Isso é quase nulo. Nós temos tudo para criar um país fantástico e penso que as pessoas têm de trabalhar, têm essa obrigação. Moçambique oferece essas condições naturais, pode não oferecer condições humanas porque é preciso formar as pessoas, é preciso que a educação seja adequada e permita que todos tenham a oportunidade de estudar condignamente. Devemos investir no país, criar projetos, incentivar as novas gerações para que também tenham a oportunidade.
SOMOS! – Essa é também uma preocupação de outros artistas.
Stewart Sukuma – Noventa por cento da população em Moçambique nasceu e cresceu em bairros carenciados. A independência do país é recente, em construção, e que ainda está a criar um status social distinto. Ainda vamos ter muitos até que haja uma sociedade igual e equilibrada. Os bairros carenciados continuam a existir tanto nas áreas urbanas como rurais. As escolas continuam a ser muito precárias e deficientes, mas nesses bairros existem pessoas e jovens que se destacam, até pelo país inteiro, com grandes projetos e feitos. Seria falta de modéstia dizer que eu sou um bom coração, mas eu sou um bom coração e faço parte desse processo. Há uns anos fui nomeado o primeiro embaixador da UNICEF pelos préstimos que já tinha feito de forma abnegada sem me importar com reconhecimentos e prémios…
SOMOS! – Isso é secundário?
Stewart Sukuma – Sem dúvida, o importante é agirmos de forma desinteressada. E se eu passei por uma história idêntica, deram-me oportunidades para que eu pudesse singrar na vida, é isso que faço com as pessoas que estão à minha volta e precisem de mim.
SOMOS! – O Sukuma, músico e pessoa, tem sido um exemplo a seguir sobretudo pelos mais novos.
Stewart Sukuma – Não tenho noção disso, mas quero acreditar que as gerações vindouras possam seguir alguns dos meus passos, tenho a consciência que é importante que comunicadores como eu, que têm a facilidade em cantar e atuar para milhares de pessoas, para o mundo inteiro, tenham uma responsabilidade acrescida em relação aos aspetos sociais dos povos. A nossa função não é só divertir e falar de cultura, mas é também dar um exemplo de vida a todas as pessoas à nossa volta, para que o mundo se torne um local melhor para se viver. Que haja tolerância, mais amizade, amor e mais humanidade. Eu penso que todos os que tenham visibilidade devem ter essa responsabilidade.
SOMOS! – É isso que tenta passar através das suas músicas?
Stewart Sukuma – Através das minhas músicas e dos meus atos. Portanto, não podemos só cantar aquilo que pensamos que pode mudar a humanidade, os nossos atos são também muito importantes. É todo um modo de vida. Para mim tornou-se numa forma de estar dentro e fora do palco, sou aquele que partilha espaços, músicas. A vida é assim, partilha de momentos e que quero partilhar o meu sucesso ao longo destes 35 anos de carreira, porque não os fiz sozinho, foi sempre com pessoas que nem sequer sabem que alguma vez me apoiaram e ajudaram a subir.
SOMOS! – A sociedade de hoje está despida desses valores?
Stewart Sukuma – O mundo está cada vez mais egoísta. A luta tem de ser mais metódica e consciente no sentido da mudança. Hoje em dia, com as novas tecnologias, as pessoas estão cada vez mais expostas a coisas más. Falta discernimento para escolher entre o bem e o mal, a linha é muito ténue. Urge criar novas redes entre todas as pessoas para fortalecer a ideia de que o mundo é ainda um sítio bonito para se viver.
SOMOS! – Essas redes podem passar também pela conexão da língua portuguesa e da lusofonia?
Stewart Sukuma – Claro que sim. Moçambique foi um país colonizado por portugueses, a língua oficial é o português. Não nos podemos desligar da história e da qual eu não posso fugir. Eu próprio sou uma mistura de raças. Em Moçambique, o português é a língua da união nacional e será sempre uma língua para nós enquanto moçambicanos.
SOMOS! – Para os moçambicanos e para toda a rede dos restantes países da CPLP…
Stewart Sukuma – Há muitas semelhanças entre nós, povos da Guiné-Bissau, Angola, Moçambique… Há uma ligação histórica muito grande, temos de estar conscientes disso, todos os dias. Se calhar vamos dar mais importância uns aos outros e fazer com que as relações desses países seja mais do que um interesse comercial e económico. Devemos estabelecer laços de amizade porque só assim se consegue a união da chamada lusofonia.