Imaculada Conceição padroeira de Macau
Após a Restauração, D. João IV e os representantes do clero, nobreza e povo, proclamam no dia 25 de março de 1646 a Senhora da Conceição como Rainha e Padroeira de Portugal. No dia 11 de setembro, eram expedidas cartas para todas as câmaras do Reino – onde se incluíam as de todo o império – para que fosse em todas elas, pelos representantes dos três Estados, ratificada, elegendo e proclamando Padroeira do Reino a Nossa Senhora da Conceição.
A Macau o despacho real terá chegado no ano seguinte, sendo Nossa Senhora da Conceição proclamada, em seguida, padroeira de Macau. Desconhece-se, contudo a data certa dessa proclamação.
No sudoeste asiático o culto à Virgem Maria, por parte dos católicos, confunde-se com a presença dos portugueses “nem que fosse por contaminação através de famílias novas que, entretanto, se foram formando” refere à Somos! o historiador e mestre em Relações Interculturais, Fernando Sales Lopes.
Macau é o único local da Ásia onde o dia 8 de dezembro, data da festa à sua padroeira, a Imaculada Conceição, é feriado público, a par da Páscoa e dos Finados.
Culto da Imaculada Conceição em Macau
Referências indicam o ano de 1580 como o do estabelecimento pelos franciscanos da primeira confraria dedicada à Imaculada.
Sales Lopes diz que em 1640 foi colocada pelos jesuítas na frontaria da Igreja da Madre de Deus (hoje conhecida como das Ruínas de São Paulo) a imagem da Senhora da Conceição que ainda hoje perdura. Não se sabe quando a santa foi instituída como padroeira, mas o ano de 1647 é referido quanto à obrigação dos membros do Senado comungarem no dia dos padroeiros, onde a incluíam.
“A importância da Padroeira de Portugal era tal que, após a sua proclamação como Padroeira de Macau, e por vontade real, a designação do Colégio de São Paulo e da Igreja da Madre de Deus, passou a ser Colégio e Igreja da Imaculada Conceição. Dedicada à Imaculada Conceição era também a igreja do mosteiro das Clarissas”, acrescenta o historiador.
A festa da Imaculada Conceição
A Festa da Imaculada Conceição em Macau tem uma “característica diferente” dos outros sítios na Ásia, as comemorações acontecem no Colégio Salesiano que, para além de ter na Padroeira a sua devoção, comemora nesse dia o aniversário da escola.
Em 1906, quando Luigi Versiglia e outros missionários chegam a Macau, o Bispo D. João Paulino entrega-lhes a direção do Orfanato da Imaculada Conceição. Em 1915 Luigi constrói uma obra de maiores dimensões com oficinas modernas e uma escola de comércio e contabilidade. Luigi Versiglia e Calixto Caravario, são hoje santos como mártires da Igreja. Foram ambos assassinados na China em 1930.
Para a festa do grande dia, o Instituto prepara-se todos os anos com grande antecedência mobilizando alunos, professores e funcionários. “A preparação da festa não só contempla a das coisas materiais, como a das almas. Para os alunos de todas as idades e níveis diferenciados, a catequese explica o significado dos símbolos e, em particular, a história e a importância da Imaculada Conceição como mulher e mãe de Jesus”, explica Sales Lopes.
Liberdades Religiosas em Macau
Em Macau, sendo uma região administrativa especial da China, “não seria muito normal ver a banda da polícia de segurança pública ir acompanhando as procissão, mas a verdade é que acontece. Esta é mais uma característica do território, que demonstra uma certa liberdade religiosa e um certo convívio entre todas as religiões e culturas que aqui se cruzam”, refere Sales Lopes, realçando ainda que, existe uma “relação de santos e divindades budistas e taoístas que são muito semelhantes naquilo que fazem aos humanos”.
No território pode-se estabelecer o paralelo entre a Deusa de A-Má e a Nossa Senhora enquanto divindades mãe e protectoras das pessoas e dos homens do mar. “Não podemos esquecer que Macau sempre foi um sítio em que as pessoas tinham profissões de risco em alto mar, desde pescadores, naufrágios, piratas. Na partida para o mar, no alto da Penha, haveriam certamente, mulheres dos portugueses a rezar como estariam no templo de A-Má a fazer o mesmo. Isto deu um certo reconhecimento pela comunidade chinesa desta aproximação às divindades”, conclui.
Se, por outro lado, olharmos para as procissões a “maior parte são feitas por católicos portugueses, mas também por macaenses, filipinos e chineses que vão pela “crendice, mas o que é a fé sem a crendice?”
Mas a devoção chinesa aos santos católicos não se fica por aqui, “existiram alturas em que a cidade passou por dificuldades e a população chinesa não tendo já recursos dos seus deuses vão exigir ao Leal Senado (também incapacitado por falta de verba), que realizasse procissões para salvar Macau. São os locais que procuram recursos financeiros para que as mesmas acontecessem”, remata.
Procissão até à Penha
O Padre Manuel Teixeira, no livro Macau e a sua Diocese, afirma que a introdução do culto a Nossa Senhora de Fátima em Macau se deve ao Padre Manuel Joaquim Pintado, director da Catequese da Igreja de São Domingos. “Para afervorar as criancinhas” – escreve Manuel Teixeira – “ele narrava-lhes os sucessos maravilhosos de Fátima”.
Em 1929, inaugurou ele na Igreja de São Domingos a devoção a Nossa Senhora de Fátima com um tríduo de 10 a 12 de maio e uma procissão no dia 13. E naquele mesmo dia, ainda segundo Teixeira: “O pregador, Padre António Maria Alves, S. J. fez prometer ao povo que todos os anos nesse dia levaria a estátua de N. Sra. de Fátima em procissão de S. Domingos à Penha. E assim se tem feito até hoje”.
Sai da Igreja de São Domingos e percorre a baixa da cidade até à Ermida da Penha, de onde são abençoados os fiéis e Macau.
Os pastorinhos, crianças vestidas a rigor, vão à frente do cortejo seguidos pelos anjinhos, banda de música da PSP, os membros do clero e das Irmandades e crentes. “Este acto religioso incorpora, para além de residentes locais e membros das comunidades macaenses espalhadas pelo mundo, comunidades várias de Macau, devotos de Hong Kong e de outras regiões e países do Sudeste Asiático”, refere.
A procissão acompanhada no seu percurso por residentes e turistas que para o efeito param pelos passeios, dirige-se à Ermida da Penha. Chegada ao terreiro da Penha, que já foi residência de bispos, a santa entra na Ermida, pequena para a multidão. “Por isso, como sempre, a comemoração acaba com uma missa no terreiro, onde se ergue a imagem de Nossa Senhora do Bom Parto, onde os marinheiros crentes, de antanho, iam pedir protecção antes de se fazerem ao mar, e dali, do cimo daquele monte, o Bispo de Macau erguendo o Santíssimo abençoa os fiéis e a cidade”.
O Boletim do Governo Eclesiástico da Diocese de Macau, de dezembro de 1904, 50 anos depois da proclamação do dogma, dá com grande destaque conta das festas jubilares da “Immaculada Conceição de Maria”.
A publicação, tendo em conta que “são dez as linguas e dialectos principaes em que na diocese de Macau é louvada e exaltada a Virgem Immaculada: o latim, o portuguez, os dialectos de Macau e de Malaca, o china (cantonense e hainanense), o inglêz, o malaio, o tetum, o galloli , o italiano e o francez”, publica, em todos estas línguas e dialectos, odes à Imaculada Conceição. Esta preocupação da Diocese na abrangência do entendimento pelas diversas comunidades de Macau, mostra-nos também a diversidade étnica e cultural da malha humana de Macau nos princípios do século XX.
Nossa Senhora
Ainda em 1929, mas a 13 de dezembro, foi fundada a Congregação de Nossa Senhora de Fátima (ou das Filhas de Maria), com o intuito de manter, com a dignidade devida, o culto em Macau. Refira-se que o início desta devoção em Macau antecede mesmo a permissão oficial do culto à Nossa Senhora de Fátima, que só aconteceu em 1930 com a Carta Pastoral do Bispo de Leiria, “A Divina Providência”.
A devoção do Rosário, uma das mensagens de Fátima, partiu de Macau, segundo Sales Lopes, o território “serviu para que essa fé fosse para outros lugares do Sudeste Asiático. O Padre Teixeira denomina mesmo a Igreja de São Domingos como a Cova da Iria no Extremo Oriente. Na verdade, os missionários levaram o culto para Hong Kong, Timor-Leste, Malaca, Filipinas e Tailândia entre muitos outros locais. Em Macau em várias línguas se faz a liturgia, se Reza o Terço, se exprime a devoção. Na diversidade cultural”.
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Fotografias: Gonçalo Lobo Pinheiro