Poeta chinês Jidi Majia chega a Portugal, traduzido por José Luis Peixoto

O primeiro livro do poeta chinês Jidi Majia a ser publicado em Portugal, “Palavras de Fogo”, chega este mês às livrarias e é uma janela aberta para a paisagem da China, com as suas múltiplas etnias, culturas e tradições.

“Os poemas de Jidi Majia são janela para uma paisagem remota, mesmo debaixo dos nossos olhos: sacerdotes cerimoniais, caçadores que sopram chifres e se fazem ouvir pelas montanhas, montados em selas ornamentadas, o galope dos cavalos misturado com a melodia do berimbau nuosu”, descreve o escritor português José Luís Peixoto, tradutor do livro, editado em Portugal pela Rosa de Porcelana.

José Luís Peixoto espera que esta seja uma “leitura importante, [uma] janela a mostrar-nos mais deste mundo imenso, simultaneamente uno e múltiplo”.

Com chegada prevista às livrarias portugueses ainda durante este mês, “Palavras de Fogo” é o primeiro livro publicado em Portugal da autoria de Jidi Majia, poeta chinês com mais de 20 obras, traduzido para mais de vinte idiomas e publicado em mais de trinta países.

Esta edição é também apresentada hoje no Festival Literário de Macau, que começou na sexta-feira e se estende até dia 24. A apresentação, de acordo com o programa do certame, é feita por José Luís Peixoto.

Na introdução, que assina, o escritor português fala da importância da tradução desta obra para português, na medida em que poesia possa ser o elo de contacto “entre duas culturas, distantes no espaço, com experiências e visões próprias e, ainda assim, partilharem tanto”.

“A imensidão da China, distorcida pela distância a que a observamos, nem sempre permite que se tome consciência da sua enorme diversidade”, afirma José Luís Peixoto, sublinhando que são mais de cinquenta as etnias que compõem o país, cada uma com marcados elementos culturais próprios, como a língua, as crenças ou os costumes.

O Estado refere-se a estes grupos como “nacionalidades”, sendo compostos por uma população de mais de 90 milhões de pessoas, dos quais os Yi (ou povo nuosu) – grupo étnico minoritário a que pertence Jidi Majia – são cerca de nove milhões, ocupam principalmente as montanhas de Liangshan, no sudoeste da China, cobrindo parte das províncias de Sichuan, Guizhou, Guangxi e Yunnan, e estiveram fora do alcance do governo chinês até meados do século XX.

“Dedicados à pecuária e à agricultura, a vida tradicional dos nuosus encontra-se retratada em muitos textos deste livro”, diz José Luís Peixoto.

“Aliás, entrando na casa de uma dessas famílias, a primeira coisa que se vê, o mais elementar, é um pequeno forno sustentado por três pedras, sobre um lume sempre aceso”, conta, explicando: “acredita-se que nunca se deve apagar esse fogo, a vida e a sorte da família dependem disso”.

O escritor portugues faz um paralelismo entre essa crença do fogo e “estas ‘Palavras de Fogo’, aqui a transportarem memória e espírito”.

Sobre os poemas constantes na obra, José Luís Peixoto afirma serem “abertamente identitários”, com o “eu poético” a confundir-se com o autor e o próprio nome de Jidi Majia a ser referido por diversas vezes no interior de poemas.

“Também dessa forma despudorada, desenvolve-se bastante o sentimento de pertença, a defesa das origens, a assunção apaixonada de uma identidade local e cultural. Esse aspeto, no âmbito da história recente e da realidade chinesa contemporânea, assume uma dimensão política muito forte, explicitada em muitas passagens”.

Peixoto assinala, no entanto, que, apesar destas referências, a poesia de Jidi Majia não é apenas “local” ou “étnica”, já que o poeta se refere de “modo abundante e direto ao vasto mundo”, sendo disso exemplo “muito interessante” a grande quantidade de referências a poetas internacionais contemporâneos, dos diversos continentes.

“Essa cartografia literária, mapa de influências e parentescos, estabelece fecundas ligações, paralelismos, propostas de releitura para quem se aventurar nessa análise”, considera.

Sobre a tradução da obra, José Luís Peixoto conta que a vontade de a fazer nasceu por ter lido uma parte destes poemas justamente enquanto visitava as províncias de Sichuan e de Yunnan.

Considerando que a concretização deste projeto representou a possibilidade de comunicar diretamente com as pessoas que conheceu durante essa sua viagem, o escritor português só lamenta não saber ainda suficiente mandarim para poder traduzir estes textos a partir do original.

A primeira versão da tradução foi, então, feita a partir das traduções inglesa, francesa, galega e castelhana.

Posteriormente enviou esse texto para You Yupin, que havia conhecido previamente em Pequim e que tinha experiência de transpor do português para o mandarim, para que confrontasse a versão traduzida com os poemas originais.

“Mais tarde recebi este texto amplamente anotado e, a partir daí, cheguei a esta versão final”, disse Peixoto.

Fonte: Lusa

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