Micareme: Uma tradição viva

A Associação dos Macaenses e a Confraria da Gastronomia Macaense recriaram no passado sábado, dia 23 de março, o Carnaval de Macau. Uma tradição da comunidade macaense que se juntava no Clube de Macau – no atual Teatro D. Pedro V – para celebrar o carnaval e aproveitar a folia que atravessa o mundo dos países de língua portuguesa. Mas, ao longo dos anos, com a nova cidade e o desenvolvimento, a tradição quase desapareceu

A Somos! foi ao “Micareme” –  baile de máscaras – no Jardim de Infância D. José da Costa Nunes e conversou com Miguel de Senna Fernandes presidente da Associação dos Macaenses (ADM).

Somos! – Há 6 anos que a ADM realiza o Baile dos Mascarados o “Micareme”. Esta é uma tradição em Macau que necessita ser preservada? 

Miguel de Senna Fernandes – É uma tradição que tentamos reavivar. O baile dos Mascarados perdeu a sua própria festividade, em parte porque as pessoas, com o correr do tempo, deixaram de ter interesse em manter estas tradições vivas. Decidimos recuperar este baile, que tinha lugar por altura do “Micareme” – que significa a meio da quaresma, altura em que as pessoas estão mais aliviadas do rigor do jejum. Pensou-se então criar no meio deste período um momento em que as pessoas pudessem ter a permissividade para depois, dessa pausa, se retomar o período quaresmal. É uma tradição que herdada da França, o baile muito semelhante ao Carnaval, mas que decidimos fazer nesta altura porque, normalmente, as festividades carnavalescas coincidem com as celebrações do Ano Novo Chinês.

Somos! – Como se conseguem conjugar duas culturas tão diferentes? 

Miguel de Senna Fernandes – É obra, é obra. Mas consegue-se com boa vontade das pessoas e muita persistência. As pessoas que não estão habituadas as mascarem-se não vêem com bons olhos estas tradições. Todavia, é com enorme satisfação que constatamos que os chineses começam a participar nesta festa e até com bastante humor e boa disposição, por oposição à comunidade portuguesa que ainda não tem grande expressividade nesta festa que se quer aberta. Já fizemos por diversas vezes o convite às instituições de Portugal e Brasil, mas a recetividade tem sido pouca. Esperamos que no próximo ano possam vir.

Somos! – Para além da comida e bebida disponível, há também um concurso para os melhores mascarados. 

Miguel de Senna Fernandes  – Temos uma parceira, fundamental, com a Confraria da Gastronomia Macaense porque nas nossas tradições não pode faltar a comida. Ora, é necessário alimentar o interesse dos mascarados para ganharem qualquer coisa (risos).  O concurso divide-se em três categorias: “grupo”, “individual” e “crianças”. Sem menosprezar os individuais damos muita importância aos grupos porque eles trazem muita alegria e animação ao “Micareme”.

Somos! – Sendo Macau uma cidade tão pequena, densamente povoada e com culturas tão diferentes, a tendência é que as tradições possam desaparecer? 

Miguel de Senna Fernandes – Sim, sem dúvida. Há um esforço hercúleo de tentar manter as coisas. Não podemos esquecer que a cultura dominante é a chinesa e é muito absorvente. Com todo o respeito pela cultura chinesa, mas é muito monolítica no sentido de ser muito exclusiva. Ora, viver no meio disto implica, obrigatoriamente, que nos tenhamos de demarcar. Deixo como exemplo a comunidade portuguesa em Macau, que é das mais dinâmicas e a que mais tem feito, apesar das mais pequenas. É importante mantermos as manifestações culturais, nós macaenses fazemos parte da comunidade portuguesa, descruzamos os braços e deitamo-nos à obra. Somos uma cultura de trabalho e, acima de tudo, muito bem disposta.

Somos! – É assim que descreve o macaense? 

Miguel de Senna Fernandes – É muito complicado descrever e já originou muita discussão. O macaense é um ser muito peculiar, fruto da hibridez. Bebe a origem de vários sítios, mas comunga com a Portugalidade. Um híbrido com base portuguesa. Atualmente a maioria dos macaenses já não fala português, mas não prescinde da sua costela portuguesa, isto é curioso. Já tentei por diversas vezes responder a essa questão e é sempre difícil, mas se quisermos analisar um macaense ele é um individuo com um enorme apego à terra, com um sentido muito grande de Portugalidade, não enquanto estado português até porque existem muitos macaenses que não conhecem Portugal, mas a ideia daquele espaço cultural amplo, é com isto que o macaense se identifica.

Somos! – Existem muitas semelhanças com o modo de estar português: convívio e uma boa mesa…. 

Miguel de Senna Fernandes – Sem dúvida, o macaense tem o prazer de receber e os prazeres da mesa, boa comida e bom beber com destaque, por sinal, para o vinho português. O macaense faz questão de receber em casa, por mais pequena que seja, o seu amigo. Comungamos também do cristianismo, celebram-se as datas religiosas, a missa do galo, a consoada é importantíssima para o macaenses e a Páscoa. Agora entra também a própria hibridez, para além das festividades religiosas, o macaense celebra com a mesma intensidade o Ano Novo Chinês e a Festa da Lua e todas as superstições da terra.

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Fotografias: Carlos Rosário

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