Conselho de Direitos Humanos da ONU recomenda despenalização do aborto em Angola
O Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou ontem a revisão da legislação que regula a interrupção voluntária da gravidez (IVG) em Angola, retirando as sanções penais contra as mulheres ou médicos que as auxiliam.
A recomendação consta da segunda revisão periódica sobre a implementação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos em Angola, divulgada hoje em Genebra, onde a ONU destaca, pela positiva, o facto de o novo Código Penal criminalizar os atos de discriminação com base na orientação sexual e práticas como a mutilação genital feminina, mas revela preocupações quanto à criminalização da IVG.
“O Conselho está preocupado com a criminalização da IVG no novo Código Penal, exceto em algumas circunstâncias, com penas que vão dos dois a oito anos de prisão, e com a dificuldade dos procedimentos para aceder ao aborto legal, que induzem as mulheres a procurarem alternativas clandestinas inseguras, colocando as suas vidas e saúde em risco”, salienta o relatório.
O artigo 158 do novo Código Penal de Angola, aprovado no parlamento em janeiro e que ainda não foi promulgado pelo Presidente da República, prevê, com exceções, a despenalização do aborto. O artigo em causa refere que não há responsabilidade penal quando a interrupção da gravidez, realizada a pedido ou com o consentimento da mulher grávida, constituir o “único meio de remover o perigo de morte ou de lesão grave e irreversível” para a integridade física ou psíquica da mulher.
Adianta igualmente que não há responsabilidade penal se for “medicamente atestado” que o “feto é inviável” e se a gravidez resultar de uma “relação incestuosa ou de crime contra a liberdade” e autodeterminação sexual, mas com a interrupção a fazer-se nas primeiras 16 semanas de gravidez.
Já a ONU recomenda a revisão da lei para assegurar que as mulheres e raparigas não precisem de recorrer a abortos ilegais e que não são aplicadas sanções penais contra as mulheres que abortam ou contra os prestadores de serviços médicos que as assistem.
Aconselha ainda que seja garantido o acesso de mulheres e homens, em especial os mais jovens, a informação sobre saúde sexual e reprodutiva e a métodos contracetivos.
Recomenda a adoção de uma lei compreensiva para prevenir, combater e punir todas as formas de violência contra mulheres e crianças, referindo que persistem normas patriarcais discriminatórias contra as mulheres que as reduzem a papéis reprodutivos e legitimam práticas prejudiciais, incluindo casamento precoce e forçado, dotes (lobolo), poligamia, levirato (casamento de um homem com a viúva do irmão) mutilação genital e exclusão social de mulheres e raparigas acusadas de feitiçaria.
Por outro lado, o relatório acolhe favoravelmente as medidas anticorrupção adotadas pelo Governo angolano, as investigações desencadeadas pela Procuradoria-Geral e a introdução de disposições específicas que criminalizam a corrupção e o peculato no novo Código, mas nota que a corrupção continua disseminada em larga escala, sobretudo no setor público, apontando ainda o número reduzido de condenações por corrupção.
Outros aspetos preocupantes para as Nações Unidas são o “uso excessivo da força” e conduta das autoridades de segurança, sobretudo em manifestações, detenções arbitrárias, sobretudo ativistas de direitos humanos e simpatizantes do movimento separatista de Cabinda, relatos de expulsão em massa de migrantes e refugiados e limitação da liberdade de expressão.
Angola deverá fornecer, até 29 de março de 2021 informações sobre a implementação das recomendações do Conselho no que diz respeito à IVG, uso excessivo da força e liberdade de reunião e entregar um novo relatório até 29 de março de 2023.
Fonte: Lusa