Moçambique: “Taxiphone” encerra Ciclo com uma chamada por ser atendida
Durante duas semanas, a Cidade de Maputo rendeu-se aos encantos do Cinema Europeu que desfilou a classe no Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM) pelo 18º ano consecutivo. Se não fosse o estrondoso Idai, a estas alturas, ele estaria na Beira como é de praxe. Mas… lágrimas para lá, já estamos confortados.
A 3 de Junho o Ciclo segue para o Pequeno Brasil, sim, Quelimane. Segundo sei, acaba de partir do Terminal Interprovincial da Junta deviam ser, por ai, seis horas para entreter e, também, educar os zambezianos – tal como com o papel do tradicional carnaval.
Como disse, o Ciclo é Europeu. Seu espírito turista não lhe permite afunilarem-se numa LAM qualquer só por escalar o centro do país. A viagem é um pretexto para contemplar a rica paisagem formada, maioritariamente, por florestas densa, aberta, savana e mangais.
Estes ecossistemas constituem o habitat de espécies selvagens como elefantes, leões, leopardos, chitas, hipopótamos, antílopes, tartarugas, macacos e grande número de aves. A esta riqueza associam-se belas fotografias naturais, quer nas zonas altas, quer nas zonas costeiras.
Há muito por tornar esta viagem tudo um pouco mas não cansativa nem angustiante.
E vestígios da guerra? Talvez se nos próprios filmes que o fulano irá exibir ali no Ponto de Encontro: “The Artist” (França), “Pedro e Inês” (Portugal) e “Who am i” (Alemanha) e na Universidade Pedagógica: “Diamantino” (União Europeia); porque a luta incansável para possibilitar aos visitantes uma vivência com esta riqueza está a recuperar parques, como Gorongosa, um dos melhores de África – este tesouro de Moçambique que proporciona benefícios ambientais, educacionais, estéticos, recreativos e económicos a toda a humanidade.
Voltando ao ponto (onde não devia ter saído): aterrou (o Ciclo), na cidade de Maputo, no dia 24 de Abril. Foi recebido com músicas que atravessam os países europeus representados na mostra, durante uma noite esplêndida no jardim do Centro Cultural Moçambicano Alemão (CCMA). A sua vez de actuar, todos disso estavam à espera embora os líquidos ainda os prendesse, foi na sala grande do CCFM.
Tinha de ser, era muita gente: de Laulane (eu e Matilde), de Hulene (Mariamo), do Triunfo (Mabjeca) de Polana Caniço, Bagamoio, Zimpeto, Luís Cabral e outros quadrantes do grande Maputo que não quiseram perder o melhor do cinema que o “1° mundo” nos oferecia de bandeja.
De repente, quando as luzes se apagaram, vimos um trânsito inconfundível: o drama dos refugiados. Logo pensei nas guerras, na fome, no desespero e, o mais gritante, na falta de amparo de alguns países. Mas, ao mesmo tempo, sorri ao me recordar que exisitia, lá na película, uma Europa solidária e várias estórias que se cruzavam.
Não se tratava, longe disso, de um estória europeia, mas do mundo, pois os refugiados vem de toda a parte e precisam na Europa de uma ponte ou mesmo um lugar para resistir ao calvário.
Tal como naquele filme alemão que abriu o Ciclo – “Em Trânsito” –, muitos outros eram reveladores desta história-mãe que não só pertence a Europa, mas a todo planeta; e África, infelizmente, é a parte mais negra da trama, com milhares de homens e mulheres, todos os dias, clamando por uma dose de sossego.
O cair do pano, duas intensas semanas depois, foi também num trânsito frenético, no Oásis de Tar, que um casal suiço se viu numa necessidade abismal de descobrir gente e (dessa gente ver) o seu socorro acudido. É no meio dessa gente que o melodrama de Mohammed Soudani é conduzido, cruzando três identidades: a francesa, a alemã e árabe.
O “taxiphone” era o principal sítio de socorro, mas também de reencontros, soluções e de amor, embora conturbado e denunciando os males deste sentimento inquiento. Cada um tinha um motivo para fazer chamadas: chamava o pai, a mãe, o marido, o mecânico, o patrão e Deus.
Mas a grande chamada aconteceu no penúltimo dia (8), quando o Ciclo chamou os novos realizadores através da exibição, na íntegra, de seus filmes resultantes do Concurso de curtas-metragens. Chama, ainda, às televisões, aos empresários e instituições a testemunharem a emergência do cinema moçambicano e, o mais importante tornar o pequeno sonho de cada um em grande realidade.
Na verdade foram duas semanas de dois ciclos: o Europeu, aquele que agora deve estar a passar Manhiça rumo a Quelimane, e o moçambicano, este que colocou na linha da frente “Mulher da Noite”, de Natércia Chicane. Foi através de votos do público e do júri que esta curta-metragem, entre várias bem desenhadas, levou a melhor.
No final do dia, o pequeno ciclo – o moçambicano – foi o grande o revelador de uma enorme obra que fica por ser atendida, nesta chamada que a Embaixada da Alemanha, através do CCMA e outros parceiros fizeram, levantando o auscultador para interagirem com o futuro do cinema moçambicano.
Sim, o Ciclo de Cinema Europeu tem, ainda, uma chamada por ser atendida: o nosso cinema, ainda carente de tudo um pouco.
* Elcídio Bila – Jornalista Cultural em vários órgãos de Comunicação Social. Criativo. Editor de livros. Activista Cultural.