Empresas de reciclagem exploram crianças

O suor escorre como água no rosto de António Manuel, de 14 anos. Não consegue limpá-lo. As duas mãos estão ocupadas; seguram o saco de ráfia, completamente carregado de latas de alumínio vazias, que leva à cabeça. O pequeno não tem opção. Resta-lhe parar por um instante, para limpar o rosto, pois a transpiração já cobre os olhos. Socorre-se da camisola que usa para o limpar.

Com o rosto já seco, o menino decide-se por uma pausa na caminhada que faz, para descansar ao lado de uma viatura que se encontra parada na zona da Mulembeira, no bairro Catambor, distrito da Maianga, em Luanda.

Os seus pés completamente cobertos de poeira denunciam que vem de muito longe. “Estou a vir do Golfe I a pé”, disse, António Manuel. Ele dedica-se à recolha de latas de refrigerante vazias em contentores de lixo espalhados pela capital, para vender aos fornecedores das empresas de reciclagem.

Por cada quilo de lata de alumínio recebe 100 kwanzas. A quantidade de objectos desses que leva não chega para arrecadar sequer 1000 kwanzas. “Preciso de apanhar mais”, acentuou.

O petiz contou que, com o dinheiro arrecadado da venda, consegue comprar algumas peças de roupa, chinelos e brinquedos. A outra parte do dinheiro entrega à mãe, que a usa para comprar alimentos para casa. Segundo filho de uma família de três irmãos, o menino deixou de ir à escola, alegadamente, por falta de condições.

“Eu estudava, mas parei, porque não tinha material, nem roupa”, realçou. Alegou que a mãe não trabalha e do pai sabe apenas dizer que saiu de casa há muito tempo, sem deixar rastos. “Quando perguntamos à mãe onde está o pai, ela só diz que vive com outra mulher, aqui mesmo, em Luanda”, contou.

Como António Manuel, muitas outras crianças dedicam-se à mesma prática, estando considerável parte delas concentrada no bairro Balumuka, no Golfe I. É aqui que também se encontra o maior número de compradores do material por elas recolhido.

Os compradores, que são ao mesmo tempo fornecedores das empresas de reciclagem, não se importam em adquirir o material recolhido por crianças, nem fazem ideia de que a prática constitui exploração de trabalho infantil.

“No princípio, até negávamos, mas, de tanto insistirem, passamos a receber, porque eles disseram que, com o dinheiro, conseguem ajudar em casa”, justificou um dos compradores, que não adquirem só latas de alumínio, como também carcaças de viaturas e outros metais.

Após reunirem uma quantidade considerável do material, os compradores revendem-no às empresas de reciclagem, cujos nomes não aceitaram revelar.

Fabrimetal é contra Yuri Rainho, director de recursos humanos da empresa Fabrimetal, que trabalha em reciclagem, disse que a sua instituição não actua com material recolhido por crianças, por ser contra a exploração infantil.

O responsável asseverou que a instituição, sedeada no Pólo Industrial de Viana, a 25 quilómetros de Luanda, apenas trabalha com material fornecido por empresas credenciadas, que o entregam já compactado. Yuri Rainho defende sanções pesadas contra as instituições que compram material directamente das crianças.

“Deviam ser multadas e obrigadas a pagar a educação delas até à faculdade”, realçou o responsável, para quem as empresas de reciclagem devem ter a preocupação de saber a proveniência do material que compram, para não correrem o risco de trabalhar com produtos recolhidos por crianças.

“Não basta só pagar. É fundamental saber de onde veio o material”, aconselha.

Segundo Yuri Rainho, o combate ao trabalho infantil deve passar pela moralização das pessoas, melhoria das condições sociais das famílias e por um investimento directo nas comunidades, para erradicar a fome, um dos problemas, que, a seu ver, leva essas crianças a submeterem-se a essa realidade.

“A nossa postura deve ser sempre a de ajudar a criança a manter-se na escola e não a de aproveitar-se da condição vulnerável delas, para as explorar”, acentuou.

INAC ameaça sancionar instituições

O director-geral do Instituto Nacional da Criança (INAC), Paulo Kalesi, admitiu desconhecer a existência do problema no país, particularmente em Luanda, mas prometeu sancionar as instituições que trabalham com material recolhido por crianças, por ser uma prática ilegal, que as empurra à mendicidade e que dá lugar ao trabalho infantil.

Paulo Kalesi disse ser essa uma das situações que faz com que muitas crianças abandonem a escola.

“O acto é ilegal e imoral. Não se faz comércio com criança”, aclarou, para acrescentar que, em termos legais, a criança não dispõe de capacidade jurídica para realizar esse acto. O director-geral do INAC disse que vai envolver, nas acções a desencadear para localizar essas empresas, órgãos de justiça, para responsabilizá-las

Paulo Kalesi deu a conhecer que as instituições que insistirem em comprar material recolhido por crianças incorrerão em sanções administrativas, pagamento de multa, bem como de outras medidas punitivas. Se as crianças aparecerem com material, continuou, as empresas não o devem comprar.

“Será uma maneira de desincentivar a prática e fazer com que elas desistam e, com isso, regressem à escola”, sugeriu. O trabalho infantil é uma prática que se refere ao emprego de crianças em qualquer trabalho que a priva da sua infância, interfere na capacidade de frequentar a escola regularmente, que a prejudica mental, física, social e moralmente.

Reportagem: César Esteves – Jornal de Angola

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