Matacuane, UniZambeze e Kulemba: três nomes que a Beira deve perpetuar

Cheguei ao centro de Moçambique – cidade da Beira – de autocarro, nada chique por estes dias. Por isso meus amigos não me viram em fotografias, nem com o Aeroporto de Mavalane atrás de mim, nem eu em frente do Aeroporto da Beira. Aliás, não registei as minhas fuças em nenhuma parte, a não ser os golpes que as lentes da talentosa Cremesta me deram ao longo da minha rotina intimista com as crianças.

Sim, atravessei três províncias antes de os pneus robustos se calarem no Esturro. Até achava graça apreciar, por terra, rios, lagos, floresta e todo verdejante que a EN1 nos brinda, mas Inhambane acabou com a minha santa paciência. Aquela província é enorme, que pareceu ser a extensão de todo o país. Dormi e acordei uma data de vezes, mas a distância entre as duas pontas (Govuro e Zandamela) não se esvaziava. Esvaziava-se, sim, o meu estômago. Por isso parámos em Maxixe para salvar a alma do estômago. E para diminuir líquidos na bexiga ou fazer outras coisas que os assentos do autocarro não aceitam.

Desci no Bairro de Esturro, como disse: é lá onde fica a Shoprite. Não deu para comparar com a Praça da Paz, aqui em Maputo, pois o escuro e o cansaço não aceitavam. Mas, ainda que esses dois sujeitos fizessem um complô contra a minha arte de apreciar, percebi que se tratava de um sítio ligeiramente calmo que Maputo. Lá não vi a barulheira da Mafalala nem os óleos ou peças de viaturas da Praça de Touros.

Dany Wambire veio buscar-me para Macurungo, sua casa. Ele, coitado, explicava-me com toda a dedicação alguns sítios por onde passávamos. Talento para guia turístico o jovem tem até de sobra. Eu, educadamente, fingia ter mais curiosidade enquanto, na verdade, não via lugar nenhum e só clamava pelo santo repouso.

Dia seguinte, logo cedo, rumamos para Matacuane. Nem Esturro, nem Macurungo foi-me tão generoso como Matacuane. Soube depois, numa conversa de passar o tempo com alguém que conheci por lá, que significa “nádega grande”. Mas já tinha gostado do nome, não sei porque cargas. Gostei também por ser um bairro fronteiriço, que divide a cidade e o subúrbio; onde encontras barracas e gente tanto abastada como humilde e, acima de tudo, um bom ambiente. Ah, Matacuane – queria esquecer-me do fundamental – é a cópia fiel do Mercado Museu. Quando regressava a Maputo, por volta das 4h00 de segunda-feira, a música alta e gente torta fazia o enredo daquele complexo de barracas onde fui comer Xipeto – uma tradição naquela terra. Bom, tradição só pelo tempero, nada mais. Pois se trata de um pedaço de frango assado, saboroso, diga-se.

Mas não são os sabores de frango nem as gentes daquele bairro que me fazem render homenagem àquele pedaço da Beira. É por aceitar que a UniZambeze colocasse seus blocos e cimentos ali naquele quarteirão que, infelizmente, o tecto foi arrastado pelo Idai.

UniZambeze torna-se, assim, o segundo espaço que me encantou. A universidade por si só não tem graça. Os livros difíceis, os professores insuportáveis e os exames atormentáveis já criam um distanciamento com a sociedade. Os poucos (escolhidos a dedo pelos exames de admissão) é que se atrevem a sorrir nos passeios daquele sítio. Assim é na UniZambeze (ou era), pois a Kulemba torna-a num jardim infantil pelo menos dois dias ao ano.

A Kulemba fecha, no entanto, os substantivos que me consolam a mente sempre que se fala da cidade da Beira. É a organização que anualmente leva crianças (e adultos) para contemplarem o livro e fazerem dele um perfeito brinquedo.

O livro foi lido, escrito, cantado, dançado e encenado. Até a gastronomia e o cinema foram testemunhar a beleza dos livros – desde os artesanais aos convencionais – e caíram de queixo. Ou seja, o livro foi celebrado. Onde? Em frente das pupilas honestas das crianças. Melhor lugar não há.

E na Beira, falo de boca cheia, não há melhor lugar que Matacuane (não pelas nádegas), melhor instituição que UniZambeze e melhor gente que a Kulemba.

Para assistir aquilo nos dias 15 e 16 deste ano suporto mil e uma viagens de 12 horas e até dispenso esticar as pernas ali na Maxixe.

E ai da Beira se esquecer desses três substantivos, há-de se ver comigo!

* Elcídio Bila – Jornalista Cultural em vários órgãos de Comunicação Social. Criativo. Editor de livros. Activista Cultural.

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