Jomo Fortunato defende estudo da História da Música Angolana nas universidades

A música popular angolana deve constar no curriculum do ensino superior, em particular, e no ensino de forma geral, no sentido de motivar os estudantes a investigaram sobre a história dos criadores até às novas gerações, defendeu, sábado, em Luanda, o investigador Jomo Fortunato.

A Galeria do Semba, acolheu uma jornada cultural e artística, incluindo a palestra  “História da Música Angolana”, proferida pelos investigadores Jomo Fortunato, antigo ministro da Cultura, Turismo e Ambiente, e Pedro Rosa, agente cultural.

Docente universitário, Jomo Fortunato disse ser importante levar o semba e outros estilos musicais às academias de maneira a se criar novos factos culturais e desta forma enriquecer a história da música popular angolana.

Fez uma resenha dos primórdios da música popular angolana, onde pontificam grupos e cantores pouco referenciados como a cantora Garda e a sua banda, o Trio Assis, o N’gola Ritmos, uma das maiores referências da estrutura da música angolana na década de 1945. Falou, igualmente, da transposição da precursão para as guitarras, do período de electrificação da música popular angolana passando pelo período da consolidação do semba, com grande referência para Os Kiezos.

Disse que depois houve cantores muito importantes como Elias dya Kimuezo, Duia, dos Gingas, um conjunto de ocorrências que propiciaram o surgimento do semba tal como é compreendido actualmente com Yuri da Cunha e Eddy Tussa, duas referências na linha de continuidade daquilo que foi feito pelo precursores da música angolana.

Jomo Fortunato fez uma  panorâmica da história da música angolana, e destacou que no passado os termos “semba” e “massemba” tinham uma conotação sexual,  por isso, não constaram nos dicionários e livros dos missionários no século passado. Para Jomo Fortunato há um conjunto de questões que, ainda, precisa de ser avaliado.

Música tradicional no espaço rural

A música tradicional do espaço rural, com base nos estudos de Jomo Fortunato,  caracteriza-se, essencialmente, pela bitonalidade e o anonimato na composição.

Como exemplo, referiu que a noção de autoria é anulada pelo tempo, sendo as composições musicais aceites, de forma pacífica, como produções colectivas no interior das comunidades. Por outro lado, o investigador falou da vertente “música como recreação”, e “agente psico-social de variada acção”. Nesses domínios, considerou que a música participa na intimidade da alma dos africanos.

Socorrendo-se do livro “Instrumentos Musicais de Angola – sua construção e descrição”, publicado pelo Centro de Estudos Africanos, da Universidade de Coimbra, em 1988, Jomo Fortunato lembrou a seguinte passagem: “Angola, segundo investigações do célebre etnólogo José Redinha, «participou largamente nos fundamentos culturais da música brasileira, por intermédio dos bantu fixados no Brasil, e eram angolanos a quase totalidade dos maestros das bandas de música do começo da República”.

“A contribuição da música angolana precisa de outros pesquisadores e de outras latitudes. Não devemos pensar que sabemos tudo e devemos estar aberto às contribuições”, afirmou.

Musseques e a colonização

Jomo Fortunato ressaltou que, com o fenómeno da colonização portuguesa, surgiu o crescimento das cidades criando-se, à volta destas, grandes aglomerados populacionais designados “musseques”.

Com base nos seus estudos, “musseque” é uma palavra kimbundo que se traduz como local onde há areia (por oposição à zona asfaltada). Foi, segundo o crítico, o espaço de transição entre o universo rural e a cidade, transformando-se no laboratório textual das canções, que foram absorvidas pelas expectativas do ambiente cultural urbano.

Argumenta que a temática das canções, do “corpus” mais representativo da música angolana que vem resistido ao tempo, evoca situações cuja génese textual e formato espacial se projectam, maioritariamente, nos “musseques”. Como exemplo, “o filho desaparecido no mar, a garota de mini-saia, o assédio sexual entre o patrão e a empregada doméstica (é clássico o verso “sinhola ua kuata pichitola”, da canção Madya Kandimba), os conflitos conjugais, a infidelidade amorosa, a condição da lavadeira, o feitiço e o enfeitiçado, o lamento do amigo ou parente próximo desaparecido, o carnaval, a nostalgia da infância (consubstanciada na frustração do compositor não ter ido à escola) e a concretização da praga anunciada , são alguns dos temas mais recorrentes, glosados nos textos das canções angolanas.

A importância das Turmas

Nas investigações de Jomo Fortunato, as turmas, pequenas formações que se emancipavam de forma alternada dos grandes grupos carnavalescos, foram o embrião da grande maioria dos grupos musicais angolanos que vieram a dominar musicalmente as cidades.

Muitos cantores angolanos, refere o crítico, são originários das turmas e tiveram nestas micro-agremiações o seu ambiente de aprendizagem. Outros, muito poucos, tiveram a catequese missionária, a Casa dos Rapazes de Luanda, a Casa Pia e os Grupos Corais da Igreja como suporte de ensino, concluiu Jomo Fortunato.

Em declarações ao Jornal de Angola, Jomo Fortunato referiu que o principal ponto de abordagem estará centrado numa proposta de periodização da Música Popular Angola.

Segundo explicações do crítico, deve-se destacar o contributo da reconstituição histórica da Música Popular Angolana, desde meados dos anos quarenta, data da fundação do Ngola Ritmos, apontada por Liceu Vieira Dias, no filme “Ritmo do Ngola Ritmos” do realizador, António Ole, até à contemporaneidade musical angolana.

“Na verdade, a minha incursão passa pela definição de música tradicional e popular, processo de consolidação do semba até à fase eléctrica ou electrificada. Tenho referido nas minhas conferências nacionais e internacionais que há um segmento musical pré-urbano, configurado no espaço rural, ritualizado por diversas práticas e costumes, que se dimensiona num quadro cultural e antropológico específico”.

De acordo com o investigador, a Música Popular Angolana, que se actualiza no espaço urbano, foi contaminada e absorveu, ao longo do seu processo de formação, as técnicas de execução dos instrumentos musicais ocidentais. “É neste quadro, caracterizado por um complexo cruzamento de influências, que a Música Popular Angolana foi ganhando forma e adquiriu a feição estrutural que hoje se conhece”, realçou.

Jomo Fortunato é Mestre em Literatura Angolana, pela Universidade Agostinho Neto, é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, variante Português – Francês, pela Universidade de Aveiro e doutorando em Estudos Culturais pela Universidade de Aveiro e Minho. Professor universitário das disciplinas de Língua Portuguesa, Cultura e Literatura Angolana, nos cursos de Comunicação Social da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto.

Renovação estética

O investigador cultural Pedro da Rosa durante a sua intervenção, num dos subtemas dissertou, sobretudo sobre a renovação estética do semba, assente na sua instrumentalização, letra (composição) e o canto.

Defendeu a existência de alguma confusão em relação a renovação da música angolana que acontece também a nível das letras e não somente da música no geral. Até há bem pouco tempo, disse, existiam poucos compositores a narrarem um tema com uma outra entrada a nível da sua poesia, sobretudo a incorporar novos recursos estilísticos.

 Já no canto, explicou, foi uma das maiores novidades da música angolana “porque sempre seguimos os padrões universais da música, mas com o surgimento do estilo kuduro, trouxe uma nova métrica na música angolana na década de 90 do século passado”.

Pedro da Rosa falou igualmente sobre a sua obra, onde deu maior destaque para os conceitos e definições, características, etapas, cadência e a própria produção do semba. Apresentou propostas de definições do semba, suas referências. Citou o falecido músico Zeca Tirilene, como alguém que muito o incentivou a escrever o livro.

Licenciado em Economia e Gestão pela Faculdade de Economia da Universidade Católica de Angola, é compositor e agente cultural.

“O Nosso Semba” é o título da obra ensaística do investigador Pedro da Rosa, lançada em Agosto de 2022, na Galeria do Semba.

“Gosto da cultura angolana”

A Galeria do Semba é uma referência a nível nacional e internacional, bem como uma paragem obrigatória para turistas estrangeiros. O crescente interesse de turistas estrangeiros em visitar o projecto tem tornado aquele espaço, localizado no Centro Recreativo e Cultural Kilamba, no Rangel, em Luanda, numa referência pela configuração museológica na conservação do acervo iconográfico e sonoro do semba, um dos estilos mais apreciados no país e divulgado no espaço.

A finlandesa Anna Maria, no país em turismo por força da invasão da kizomba no mercado europeu, disse que visita Angola pela sexta vez. Em declarações ao Jornal de Angola, afirmou que gosta muito da cultura e do povo angolano, por isso não perde nenhuma oportunidade para apreciar um pouco mais sobre os costumes dos angolanos. Anna Maria está no pais há 15 dias a convite do professor de dança Carlos Camba, que também reside na Finlândia onde ensina estrangeiros de várias nacionalidades a dançar kizomba e semba. Quando teve conhecimento da palestra, viu no evento a oportunidade de estar mais próximo daquilo que é um dos elementos identitários dos angolanos, o semba, bem como dos seus precursores. No espaço de documentação e informação constituído por fonogramas, fotografias, capas de discos, cartas, instrumentos musicais de executantes e referênciais e outros testemunhos, dispostos por ordem cronológica, a amante e apaixonada pela kizomba e semba saiu do evento mais enriquecida por ouvir na primeira pessoa a história da construção da música popular angolana. Durante a palestra, Anna Maria e Carlos Camba procuraram obter o maior número de informações de um estilo musical que tem estado a conquistar os principais palcos de dança a nível do mundo.

Fonte: Jornal de Angola

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