Uma missa com uma história que mantém viva uma língua
Quando os sinos da igreja da Imaculada Conceição, em Pangim, Goa, tocam às 10h30, ao domingo de manhã, é para anunciar a missa em língua portuguesa. Assim que soam os primeiros cânticos do coro inicia-se a única missa em português em toda a Índia e, provavelmente, em todo o subcontinente indiano.
A razão pela qual é a única missa em português está relacionada com a população em Goa, que apesar do número de falantes ter vindo a diminuir, ainda há quem domine a língua portuguesa. Existirão outros motivos, as eucaristias celebradas nas línguas locais começaram depois do Vaticano II, altura em que a Igreja começou a traduzir os textos do latim para outras línguas.
O padre Walter de Sá, da igreja em Pangim, explica que a língua usada nas missas é a língua de uma região, país ou do estado. “Cada estado tem sua própria língua. Em Goa é concanim, portanto o Concelho Vaticano decidiu através do Sacrosanctum Concilium, que pertence à liturgia, incluir a missa e os sacramentos”, ressalvando que deve ser celebrada na língua vernacular, língua do povo e daquela região, “como tal, em Goa nós temos missa em concanim”.
Mas estas mudanças ocorreram em menos de uma década após o fim do domínio colonial em Goa, as pessoas continuavam a procurar as missas em português, “existiam aqui famílias, algumas falantes de português, que queriam a missa nessa língua porque, assim, podiam participar na celebração litúrgica” disse o Pe. Walter.
Óscar Noronha, vai regularmente à missa desde 1970, “quando pós Vaticano II foi publicado o Ordinário da Missa, como falávamos português em casa, assistir à missa na mesma língua era mais natural. O meu falecido pai ajudou distribuindo as leituras e nós, como família, éramos parte integrante do coro. Na década de 1980, assistimos à passagem dos cânticos tradicionais para os modernos (alguns deles brasileiros). Esse hinário, Cantemos Juntos, ainda está em uso”.
Embora seja difícil saber com exatidão quantas igrejas em Goa celebravam a missa em português, pelo menos em algumas das principais áreas urbanas, como Pangim, Margão e Mapusa essa missa foi introduzida. Pangim, por exemplo, comemorava a missa dominical em português na igreja paroquial, na capela de São Sebastião em Fonatinhas e no Santuário de Nossa Senhora de Fátima dos Salesianos. Com tempo as celebrações em língua portuguesa foram acabando e só a igreja de Pangim continuou.
Óscar Noronha acrescenta, “as igrejas e capelas em Goa interromperam a missa em português há duas décadas, mas a principal igreja da capital manteve a tradição. Sucessivos párocos celebraram alegremente essa missa, embora o número de participantes tenha diminuído ao longo dos anos. Também é notável que, ainda agora, haja pessoas que se sentam à vontade para assistir à missa em português.”
Ainda que interrompida por um curto período, mas com o esforço de alguns idosos a missa em língua portuguesa foi retomada, apesar da pouca adesão.
“Esta missa”, disse-nos Cláudio Telles, foi suspensa “puramente por falta de comparecimento. Foi aí que alguns de nós, como o senhor Agnelo Rebello e a Nida Noronha, encontramos o pároco e pedimos para ele recomeçar a missa. Hoje, temos uma maior comparência. Peço a muitos dos meus contemporâneos que assistam à missa e ouçam o coro”.
No entanto, hoje, a missa é celebrada perante uma igreja que está praticamente vazia, já que a população que entende o idioma é esparsa. A missa rejuvenesceu nos últimos anos, à medida que mais pessoas foram sendo convidadas para participar e integrar, inclusive, o coro.
Pe. Walter concorda que não é fácil aumentar a participação, ainda assim “felizmente nós temos um bom coro. Todos os membros vêm de famílias que falam português em casa. São muito fluentes, tem boas vozes, temos bons músicos”.
Nizia do Carmo Lobo, que agora coordena o coro, esclarece que começaram a cantar na missa portuguesa em outubro de 2017 a pedido de “um dos membros mais antigos deste coro. Aprendemos os cânticos com os membros mais velhos. Hoje, já nenhum deles pode cantar conosco”.
Falando sobre a composição do coro, a Nizia acrescenta que o grupo é “flutuante” com alguns membros a cantar regularmente. “Cantemos Todos Juntos, é como nos chamamos. Os membros do nosso grupo variam entre os 11 a quase 90 anos. Fazemos o possível para glorificar o Senhor através da música, alguns de nós são músicos experientes e outros, como eu, totalmente iniciados na música”.
Embora haja um coro dedicado, incluindo um outro coro de jovens que pelo menos um domingo por mês canta na missa, a igreja continua a ser pouco frequentada.
“Esta missa tem um público de nicho. Os trabalhadores são poucos, por assim dizer, e as dificuldades muitas. Por outro lado, existem opções mais facilmente entendíveis, em inglês e concani. Tudo isto leva a que seja um pouco difícil manter a missa. No entanto, ultimamente, graças ao renascimento do interesse pelo português, muitos jovens que estão a aprender o idioma, nas escolas e colégios estão felizes em vir e até a cantar no coro ao lado dos mais velhos. Recentemente, um jovem visitante de Maharashtra disse-me que se sentiu transportado para Portugal!”, disse Óscar Noronha.
A população falante de português está espalhada por toda a Goa, o que não ajuda, e viajar até Pangim para assistir à missa pode não ser prático para muitos daqueles que vivem fora da capital do estado, embora muitas das paróquias vizinhas assistam a esta missa.
Pe. Walter refere existirem crentes “não só os de Pangim, mas também das paróquias próximas. E vêm também turistas. A dona da Casa Figueredo de Loutolim manda para nossa igreja os turistas católicos que querem participar na missa portuguesa. Isto dá-nos a convicção de que podemos continuar por mais uns anos. Confesso a minha admiração porque a igreja de Pangim tem continuado com esta missa!.
Continuar com a missa em português dependeria não só da participação do povo, mas também do número de padres que falassem fluentemente a língua, para o Pe. Walter a “missa em português em Goa talvez não dure muito tempo. Agora os estudos no seminário são em inglês e concanim, com ênfase na língua materna que é concanim. São raras famílias que ainda têm a tradição de falar português, mas, por outro, lado há esforço das instituições escolares de ensino português”, remata.
Há dias em que a igreja está cheia, como em fevereiro de 2020, quando o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, participou na missa durante a sua escala em Goa quando visitou a Índia. “O Sr. Presidente Marcelo Rebelo de Sousa veio precisamente a Goa para assistir à missa, que foi celebrada em fevereiro de 2020, antes da pandemia e ainda cantou todos os cânticos. Toda a comitiva também participou e ficaram muito surpreendidos que no século XXI os Goeses ainda façam uso da língua portuguesa na igreja’, disse o Pe. Walter.
A esperança destes crentes é que algum dia a igreja volte a estar cheia todos os domingos de manhã às 10h30, mas como espera o Pe. Walter, “é bom que a esta eucarística continue no futuro e abranja, também, outras certas paróquias”.