Percetakan Negara VII, a rua de Jacarta famosa por receber Xanana Gusmão

Xanana Gusmão, o habitante mais famoso da Percetakan Negara VII, atrás da cadeia de Salemba em Jacarta, só lá viveu uns meses em 1999, mas um ‘vizinho’ diz que foi o maior acontecimento de sempre da rua.

“Tivemos aqui tanta gente”, explica Imam, pendurado no portão da casa ao lado da VII/47, enquanto recorda, ao som da água de uma pequena fonte no jardim, as memórias de 1999, que revolucionaram a pequena rua.

“Tínhamos jornalistas por aqui todos os dias”, vai contando.

Xanana Gusmão, preso pelos ocupantes indonésios em novembro de 1992 em Timor-Leste e transferido para a cadeia de alta segurança em Cipinang, acabou em Salemba a sua vida de preso político.

E se já era um preso especial em Cipinang, o seu estatuto confirmou-se quando a 10 de fevereiro de 1999 foi transferido, com autorização do então ministro da Justiça Muladi, para prisão domiciliária em Salemba, nada mais nada menos, para casa do então diretor da cadeia.

Tinham passado mais ou menos quinze dias desde que o então Presidente indonésio, Yusuf Habibie, anunciara que os timorenses poderiam ser consultados sobre o seu futuro.

O ano do tudo ou nada para Timor-Leste estava a começar e com ele o corrupio nesta pequena e pacata rua, a cinco quilómetros do Monumento Nacional, o centro simbólico da gigantesca capital indonésia.

Ainda que ligado a Salemba – uma prisão de “Classe 2A”, a cinco quilómetros leste do Monumento Nacional, no centro de Jacarta – Xanana Gusmão nunca chegou a estar detido intramuros.

Agora, como então, a pacatez da rua domina. Ainda que hoje haja mais segurança em torno da cadeia, com uma vedação alta e arame farpado no topo, a impedir acesso a um troço de terreno em terra batida de onde em 1999, muitas vezes, os jornalistas filmavam a casa.

A vedação alta substituiu o que outrora eram dois fios de arame farpado ferrugento que mal impediam a passagem, permitindo que quase diariamente miúdos utilizassem o longo e estreito ‘campo de futebol’ de terra batida, ao lado do muro da cadeia, para um jogo de futebol de pé descalço.

Pequenas árvores, na altura praticamente acabadas de ser plantadas – algumas foram até derrubadas para darem maior visibilidade às câmaras dos jornalistas – estão hoje mais altas que os muros da cadeia.

À entrada deste troço da rua – que corre em dois dos lados da cadeia – está uma cancela, pintada de preto e branco e agora levantada, e um arco de metal, curvo, sobre a rua, ao longo do qual está presa uma bandeira vermelha e branca indonésia.

Do lado esquerdo, à sombra de uma das muitas árvores que percorrem esse lado da estreita rua, o mais próximo dos muros da cadeia, estacionou um vendedor ambulante, sorriso na cara quando cumprimenta, chapéu de aba e um pequeno pano vermelho sobre os ombros.

Saúda com a cabeça e depois volta à tarefa em mãos. De forma ritmada, e ao compassado chiar de uma bomba de ar ‘vintage’, enche os finos pneus de bicicleta que suportam a loja com que percorre as ruas: uma caixa de madeira onde coloca verduras e fruta de todo o tipo, a maioria tropical, comum nestas paragens: papaia, goiaba, salak.

Imam, 57 anos, e a mulher, Diah, 47 anos, vivem na casa ao lado da VII/47 “há quase toda a vida” e recordam com grandes sorrisos a agitação de 1999, com visitas diárias de jornalistas, diplomatas e políticos, timorenses e internacionais.

“Havia muitos jornalistas e por isso tínhamos o café. Tivemos muitos clientes”, diz, recordando o espaço que o agora “decorador de casamentos” montou no jardim para ganhar algum dinheiro com as muitas visitas à rua.

“A vedação é nova. E as árvores cresceram muito”, disse.

E depois ri-se e conta que “há cerca de um mês”, Xanana Gusmão voltou à rua, à casa, numa visita privada de que poucos foram informados.

“Gostei muito de o ver. É um homem bom. Um homem simples. É um homem simples como nós”, explica, com um sorriso em que recorda momentos, há 20 anos, em que a sua rua foi importante.

A Percentakan Negara VII, uma pequena rua, num bairro “standard” (diz Imam), onde um decorador de casamentos vendeu café a jornalistas que acompanharam os últimos dias como preso político do líder histórico timorense, Xanana Gusmão.

Reportagem: Lusa

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