A Humanidade não deve ter orgulho nenhum no Tarrafal – José Miguel Judas

O ex-conselheiro da Revolução José Miguel Judas defende que a humanidade não tem nada de que se orgulhar com o Campo de Concentração do Tarrafal, considerando “sem sentido” a candidatura a Património Mundial da UNESCO.

“Património da Humanidade devem ser coisas que a Humanidade construiu, fez, realizou num sentido de avanço. Tudo que cheire a barbaridades, coisas feias e pecaminosas, não é património”, diz José Miguel Judas.

O capitão de Mar e Guerra, 70 anos, hoje na reserva, falava em entrevista à agência Lusa sobre os 45 anos da libertação dos presos políticos do Campo do Tarrafal e o encerramento da prisão em 01 de maio de 1974, cinco dias depois da Revolução dos Cravos.

À época tenente da Marinha, Judas era ativista do Movimento das Forças Armadas (MFA) e conselheiro do comandante-chefe de Cabo Verde, Fragoso de Matos, que, na sequência do 25 de Abril, assumiu funções como delegado do Governo e tomou a decisão de libertar os presos que estavam no campo de concentração do Tarrafal, na localidade de Chão Bom, na ilha cabo-verdiana de Santiago.

Judas considera importante dar “uma utilidade” e “manter aquela presença”, defendendo a possibilidade de tal ser feito no contexto de um projeto comum da lusofonia.

“Talvez pudesse, no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), haver um projeto de memória em que angolanos e portugueses – por serem os que têm mais recursos – assumissem também os custos de fazer daquilo um local de lembrança de coisas ruins para que elas não se repetissem, que tivesse essa função pedagógica”, sustenta.

“Podia ter algum sentido ‘turístico’, mas fundamentalmente um sentido pedagógico. Agora, a humanidade não deve ter orgulho nenhum naquilo. Não vejo que a Humanidade se sinta orgulhosa por ter aquilo”, acrescenta.

Cabo Verde quer candidatar o campo de concentração do Tarrafal a património da humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em conjunto com Angola e Portugal e envolvendo a Guiné-Bissau.

A ideia do Governo cabo-verdiano é fazer do campo de concentração um campo internacional pela paz.

Situado na localidade de Chão Bom, o campo de concentração do Tarrafal foi construído em 1936, tendo recebido os primeiros presos políticos em outubro do mesmo ano, e funcionado até 1956.

Em 1962, foi reaberto com o nome de “Campo de Trabalho de Chão Bom”, destinado a encarcerar os anticolonialistas de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Ao todo, estiveram presas no “campo da morte lenta” quase 600 pessoas, sendo 340 antifascistas e 230 anticolonialistas.

Foi encerrado em 01 de maio de 1974, tendo desde então sofrido várias intervenções com vista à sua preservação e construção de um espaço museológico.

Em 2018, o Museu da Resistência (ex-Campo de Concentração do Tarrafal) foi o museu cabo-verdiano mais visitado, com 9.000 visitantes.

Fonte: Lusa

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