São Tomé e Príncipe: As mulheres da calcetada
O mercado de trabalho tem vindo a promover muitas desigualdades sociais entre homens e mulheres. Várias profissões foram ‘sinalizadas’ tendo em conta o género feminino e masculino. Profissões que são destinadas apenas para homens e outras só para mulheres. Esta rótulo imposto pela sociedade, foi acompanhado por estereótipos sociais, que dessa forma trouxe limitações nas escolhas pessoais.
A força física sempre foi um dos principais requisitos para se trabalhar no sector da construção civil. Mas em várias sociedades modernas, este panorama tem-se alterado. Não se pode rotular o trabalho dirigido somente para uma classe social ou género.
Mas será que a construção civil é uma profissão só para homens? Os estereótipos sociais ainda continuam a dominar a sociedade atual?
Sociedades modernas comprovam que este cenário tem sido combatido. A sociedade brasileira é um bom exemplo que comprova esta mudança social. Através de projetos sociais têm-se apostado na ‘inserção feminina’, desconstruindo este estereótipo social, em relação às mulheres não poderem trabalhar nas obras. O projeto Mão na Massa, desenvolvido no Brasil, é um bom exemplo prático da importância da inserção feminina no ramo da construção civil, que tem sido um sucesso.
A sociedade são-tomense sendo uma sociedade tradicional e matriarcal, as mulheres além de donas de casa, trabalham nas roças e muitas são palaiês, ou seja, são vendedoras ambulantes de mercados de legumes e peixes. Mas ainda é ligeiramente baixo o nível de mulheres inseridas na construção civil. Prevê-se com o aumento do desemprego e as condições sociais baixas, o número de mulheres neste ramo poder vir tendencialmente a aumentar.
Na ilha do Príncipe, tem-se registado este fenómeno. Falta de emprego, necessidade de rendimento para sustento dos filhos e ausência de apoios financeiros por parte do Estado, fazem com que as mulheres procurem outros trabalhos, mesmo que sejam fora do padrão social.
Tive a oportunidade de conhecer as primeiras mulheres que começaram a trabalhar na construção civil, na ilha do Príncipe. Falam de si com muito orgulho e sem preconceitos.
Apresento-vos a Maria Daio e Marlene Viana.
A Maria já trabalha há 4 anos na construção civil. Foi a primeira mulher a trabalhar neste sector, vive na zona de Oquidaniel na ilha Príncipe e tem 32 anos. Começou a trabalhar na Sundy, na reabilitação da Casa Grande do hotel Roça Sundy e atualmente encontra-se a trabalhar na construção da calcetada, que dá acesso á comunidade da Sundy.
“Eu fui a primeira mulher na ilha do Príncipe a trabalhar em trabalhos da construção civil. Comecei no dia 22 de Junho de 2015. Trabalhava num grupo de 19 homens e eu era a única mulher.” afirma Maria, falando da sua experiência inicial como trabalhadora na construção civil.
“Comecei a trabalhar aqui, pois não tinha trabalho e necessitava urgente de um rendimento. A experiência tem sido muito boa e todos os meus colegas me respeitam. No início meus familiares e amigos pensavam que não iria aguentar toda a pressão do trabalho. Mas sempre me mantive firme, com muita força. Eu faço tudo na obra: subo em andaimes, pinto, faço trabalhos com perdas… eu faço tudo. Após 4 anos ainda trabalho na construção civil.”
Maria é mãe de 5 filhos, dona de casa e tem uma filha com deficiência física de 13 anos, que é totalmente dependente dela.
“Faço tudo e todos os meus colegas me respeitam como mulher. Mas para trabalhar na obra é preciso muita força e coragem. Não temos horas de trabalho. Gosto muito de trabalhar. Fui criada com os avós sem os meus pais e sempre trabalhei, não gosto de parar. Se fosse homem sei que faria ainda muito mais.”
A Mariele Viana tem 22 anos, vive na comunidade da Sundy e é mãe de duas crianças. Começou a trabalhar na construção civil com 18 anos.
“Eu entrei na obra, devido á minha prima Maria. Eu lhe disse no início que não podia trabalhar na obra porque era mulher, mas ela logo me respondeu que isso não tinha nada a ver. Sim podia trabalhar na obra.”, sublinha Marlene.
“O nosso patrão incentivou-me muito. Mesmo sendo duas mulheres, tivemos toda a formação de pedreiros e de pintura e fomos bem recebidas.”
E manda a seguinte mensagem para as mulheres: “Se estão necessitadas de trabalho, não fiquem com medo por serem mulheres. Eu também sou mãe e faço tudo em casa sem nenhum problema. Sim a mulher pode trabalhar na obra, com muita força e ânimo sempre podem alcançar tudo.”
E destaca uma questão fundamental:
“Se dizem que homem e mulheres têm direitos iguais, então a mulher também tem de enfrentar o seu direito de trabalhar nas obras, pois não podem aceitar ficar em casa sentadas. Obra também é trabalho e se tiverem receio de vir, nós iremos sempre ajudá-las.”
O desemprego e a necessidade de um rendimento para a família, foram os principais fatores que fizeram-lhe optar pela construção civil. Não se vê mais inferior a nenhuma mulher por trabalhar nas obras. Tem muito orgulho no seu trabalho.
Coragem, ânimo e força são as palavras que Maria e Mariele mais destacam e Maria conclui com uma mensagem encorajadora para todas as mulheres são-tomenses:
“Não tenham receio de trabalhar. Todas as mulheres têm de se sentir e orgulhar de ser mulheres. Não devem desistir dos seus objetivos, pois atualmente as mulheres são mães e também pais ao mesmo tempo, tendo pouco apoio.
Nós somos capazes de fazer mais. A batalha é forte, mas temos de ser ainda mais fortes. Muita força e coragem para as mulheres de São Tomé e Príncipe.”
É hora de mudança de mentalidades. O lugar da mulher é onde ela quer, se sente realizada e onde sabe que pode ser ainda mais produtiva na sociedade. Não deve se sentir limitada. Vemos mulheres que são mães, corajosas e empresárias que lutam para ocuparem um lugar de destaque na sociedade, pois sabem que têm um papel fundamental para o desenvolvimento socioeconómico na sociedade são-tomense.
Que sejam formados projetos sociais que incentivem mulheres não só a trabalhar na calcetada, mas em lugares de política, de chefia e de decisão social, de forma a combater vários preconceitos sociais. A importância da inserção feminina no mercado de trabalho é uma necessidade crescente, que requerer por parte da sociedade um olhar mais atento.
Fonte:
Por:
Maida Salima Pequeno Paraíso
Formada em Sociologia