Jovem angolano vira celebridade ‘online’ com milhões de seguidores na China
Aborrecido numa cidade remota do leste da China, o angolano João Gabriel Kamosso começou por “brincadeira” a publicar vídeos na rede social chinesa TikTok, para depressa se converter numa celebridade ‘online’ com três milhões de seguidores.
“Comecei na brincadeira, com alguns vídeos básicos”, lembra Gabriel Kamosso, de 23 anos, natural da província de Huambo, à agência Lusa.
Com um total de 27 milhões de gostos e três milhões de seguidores, Kamosso publicou, em outubro passado, o seu primeiro vídeo no TikTok – um registo de 30 segundos a cantar no dialeto de Guizhou, região do interior da China.
A imagem do africano, envergando trajes urbanos e boné, a cantar no dialeto de uma província habitada sobretudo por minorias étnicas chinesas, tornou-se rapidamente viral no país com a mais larga população ‘online’ do mundo – cerca de 800 milhões de internautas.
“Isso encorajou-me a continuar”, lembra Kamosso, cujo nome chinês é ‘Laoma’.
O sucesso mereceu destaque no jornal oficial em língua inglesa China Daily.
“Ele fala fluentemente chinês e tem um grande interesse pela cultura chinesa. Embora não seja chinês, tem um coração chinês”, descreveu, numa reportagem, o jornal, que é um dos instrumentos de Pequim para promover o país no exterior.
“Gosto de fazer vídeos que têm a ver com a língua chinesa e as suas duplas interpretações: fazer trocadilhos e jogar com os diferentes significados das palavras”, descreve Kamosso à Lusa.
No chinês mandarim, existem quatro tons e mais um quinto tom neutro. A mesma palavra pode ter vários significados, dependendo do tom utilizado. ‘Chi’, por exemplo, quer dizer comer (chi), estar atrasado (chí), régua (chi) ou repreender (chì).
“Eu amo a língua chinesa”, declara ‘Laoma’, cujos vídeos terminam sempre com os ‘emojis’ das bandeiras de Angola e da China, lado a lado.
Estudante de informática na Nantong Vocational University, o angolano aterrou no país asiático pela primeira vez em 2015, para estudar mandarim em Cantão, a terceira maior cidade do país, num programa negociado entre o governo de Huambo e uma empresa chinesa.
“A ideia era estudar chinês e tirar uma licenciatura, mas com a crise em Angola tivemos que regressar, devido às dificuldades em transferir dinheiro”, revela.
De regresso a Angola, foi trabalhar como intérprete, em Luanda, para a Zhongtai Senda, empresa chinesa do setor da construção. “Foi aí que mais aprendi chinês, a trabalhar com chineses todos os dias”, conta.
Com o dinheiro amealhado como intérprete, rumou no sentido contrário dos cerca de 250.000 chineses que se estima viverem em Angola. “Eu gosto de viver na China. A vida aqui é mais fácil”, nota.
Em Nantong, cidade com dois milhões de habitantes mas pequena para a escala do país mais populoso do mundo, Gabriel Kamosso encontrou uma realidade diferente da de Cantão.
“Aqui é bem mais calmo e menos moderno. É meio tedioso”, compara. “Ou, como se diz em inglês, ‘boring'”.
Na escola ou nas ruas de Nantong, ‘Laoma’ assume ser muitas vezes reconhecido.
“Quando ando na rua, há chineses que me pedem para tirar uma foto com eles”, conta. “Os meus colegas de turma sentem-se às vezes nervosos quando se sentam ao meu lado”, acrescenta. “Mas isso há de passar”.
No campus da Nantong Vocational University, vários estudantes que se cruzam com o angolano, durante a entrevista à Lusa, sussurram uns para os outros: “olha, é o ‘Laoma'”.
Mas Kamosso quer ir mais além e está atualmente a concorrer para participar num programa de televisão em Xangai, a “capital” económica da China.
“Estou a rezar para ser aceite”, afirma. “A minha ambição é ser uma celebridade em toda a China”.
A história deste angolano ilustra o mercado novo e em rápido crescimento das celebridades ?online’ na China, que estão a reescrever as regras da publicidade, gestão de marca ou do comércio eletrónico.
Num país onde centenas de milhões de consumidores estão constantemente ligados às redes sociais, quase todos através de dispositivos móveis, em detrimento dos meios de comunicação convencionais, estas celebridades marcam agora as tendências de consumo.
‘Laoma’, que assinou já contrato com uma das muitas incubadoras de celebridades que brotaram nos últimos anos no país, está prestes a começar uma jornada na busca por mais fãs e visualizações.
“Nas férias de verão vou passar a viajar para outras províncias, para fazer vídeos em colaboração com outras celebridades”, aponta.
Reportagem: Lusa