Benvindo, o catador com ‘olho de águia’ para o plástico em Cabo Verde

Benvindo Delgado é conhecido praticamente em toda a ilha cabo-verdiana de Santo Antão pelo seu trabalho incansável e solitário de recolha de plástico para ser transformado em azulejos numa fábrica na localidade de Penedo de Janela.

Com 32 anos, Benvindo Delgado da Luz viveu sempre na localidade de Ribeira de Penedo, um vale na zona de Janela, onde as pessoas vivem essencialmente da agricultura, criação de gado e algum comércio em mercearia.

Mas desde 2017, com a instalação da fábrica de produção de azulejos em Penedo de Janela, juntou a necessidade de ganhar dinheiro para sustentar a família com a consciência ambiental, passando a catar plástico um pouco por toda a ilha.

O ponto de recolha diária é a lixeira municipal dos concelhos do Paul e da Ribeira Grande, mas é nas atividades culturais e desportivas na também conhecida como Ilha das Montanhas que não passa despercebido.

E foi nas festas de Santo António das Pombas que Benvindo fez mais uma das suas campanhas de recolha de garrafas de plástico.

Enquanto toda a gente festeja o santo padroeiro, Benvindo não tem mãos a medir e só tem olhos para o plástico, não importa se as garrafas estão limpas ou sujas. No chão, é que não ficam.

De saco na mão, colete azul onde está escrito “Recolha de Plástico” e com os símbolos da fábrica MT Segredo Azulejos, o jovem passa em frente e atrás dos bares, desce à pista de corrida de cavalos, vai à beira mar e percorre o largo da igreja.

Sempre com um sorriso no rosto e boa disposição, e debaixo de um sol abrasador, nenhum sítio fica por vasculhar e Benvindo é igualmente solicitado por adultos e crianças que o entregam as garrafas.

Todo o material recolhido é amontoado numa espécie de quartel general montado à beira mar, onde a quantidade de plástico juntado impressiona, por ser obra de uma única pessoa, que assim evita que todo esse lixo fique espalhado pelo chão.

“Os plásticos já me conhecem. Veem-me e vêm logo ter comigo e eu também vou ter logo com eles”, ironizou, dizendo que já é um “olho de águia” para o plástico em Santo Antão.

“Sento-me para descansar e onde eu estiver vejo X números de plástico, posso controlar 20 a 30 garrafas enquanto estou sentado. Vejo uma pessoa e beber um sumo, espero que coloque a garrafa no chão, se deixar um resto de sumo, deito-o no chão e como ando com sacos na minha mochila, levanto-me e começo a recolhê-los”, contou.

Nos cinco dias e noite das festas de Santo António das Pombas, Benvindo Delgado recolheu, sozinho, cerca de 500 quilos de garrafas de plástico.

O catador disse também que já tem uma “parceria” com os porteiros dos espaços de diversão noturna, que o deixam entrar para catar todo o plástico presente nos recintos.

“O plástico leva muito tempo para se decompor e quando é transformado é muito mais útil para nós e sabemos que já não prejudica o nosso meio ambiente”, afirmou.

Em menos de dois anos, já perdeu a conta da quantidade de plástico que recolheu, mas tem uma certeza: “Se o plástico leva 500 anos para se decompor, já devo ter mais de 500 mil plásticos recolhidos nesses dois anos”.

Mas nem tudo é um mar de rosas. Benvindo Delgado avançou que há “dois tipos de ideias”, a das pessoas que o apoiam, dizendo que está no bom caminho e a proteger o meio ambiente, e das outras que o chamam de doido por estar a fazer esse trabalho.

“Muitos dizem-me: Em vez de estares a festejar, estás é a catar lixo no chão. Mas não sabem o bem que estou a fazer para a nossa população”, salientou, reforçando que o que o move é a proteção do ambiente e faz a recolha também por prazer.

“Quando eu faço este gesto, os mais pequenos veem-me a fazer isso e apanham dois plásticos para me entregar e eu digo ‘boa, menino, estás a proteger o meio ambiente'”, continuou o catador, dizendo que as crianças entendem melhor as questões ambientais do que os adultos.

“Quando uma criança te vê a fazer uma coisa boa, ela analisa. Se vê que consegue ajudar-te, ela ajuda-te, mas um adulto não, em vez de te ajudar, vai-te atrapalhar”, notou, dizendo, mesmo assim, que há muita gente que o incentiva a prosseguir a sua missão.

Benvindo Delgado informou ainda que professores dos ensinos básico e secundário têm realizado visitas de estudo à fábrica de Penedo de Janela, para dar aos alunos ideias de como proteger o meio ambiente do que chama de uma “peste”.

E lembrou, nesse sentido, que a inalação do fumo do plástico queimado é o principal causador de cancro, pelo que na recolha na lixeira municipal, conta com o apoio dos colegas nesse trabalho.

“Em vez de inalar o fumo da queima, colaboram comigo, recolhemos todo o plástico e depois queimamos os restantes resíduos”, avançou.

“É um trabalho, sujo, mas honesto. Muita gente não concorda. Quando estou a trabalhar, não estou a gastar, estou sim a ganhar, a ganhar para o meio ambiente e a ganhar para sustentar a minha família”, prosseguiu o catador, que quer deixar um legado para as gerações futuras.

Por agora, mostra-se orgulhoso por fazer com que a ilha de Santo Antão esteja mais limpa e tem um desejo que é deixar a prestação de serviço e passar a ter um contrato efetivo com a empresa MT Segredo Azulejos.

Fonte: Lusa

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