Saudades levam especialista português a regressar a Malaca para a cozinha dos De Mello
As saudades levaram o especialista em crioulo Sílvio Moreira de Sousa de regresso ao Bairro Português de Malaca, não para ensinar o dialeto, mas para ajudar na cozinha do restaurante da família De Mello nas festas de São Pedro.
“Eu vivi aqui, tenho não um pé, mas talvez dois dedos do pé na comunidade (…) acabo por me sentir um pouco parte da comunidade e pertença a este local”, disse à Lusa o professor de português na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST), de 39 anos, na cidade conquistada pelos portugueses em 1511, na época no coração de um lucrativo comércio de especiarias.
Em 2016 foi convidado para ser bolseiro Fernão Mendes Pinto, um projeto de parceria entre a associação Coração de Malaca e o instituto Camões, e coube-lhe a missão de ensinar português, o crioulo existente em Malaca e ainda de escrever um dicionário trilingue em português, inglês e no crioulo local, intitulado de “Bos podi papiah ku yo?”
“O que eu estive a fazer cá foi ensinar o português europeu, mas tendo muito cuidado de ensinar ao mesmo tempo a língua local”, explicou Sílvio Moreira de Sousa, admitindo uma certa ironia por ser um português a ensinar este crioulo aos moradores do Bairro Português em Malaca.
Agora, pelo segundo ano consecutivo, Sílvio Moreira de Sousa faz a viagem desde o antigo território administrado por Portugal, Macau, até à cidade que Diogo Lopes Sequeira, enviado do Rei D. Manuel, aportou para estabelecer relações e dois anos mais tarde Afonso de Albuquerque desembarcou, deixando um legado cultural, patrimonial, linguístico e religioso que dura até aos dias de hoje.
“Já é o segundo ano consecutivo, o que é engraçado”, afirmou o professor de português, referindo-se às festividades do São Pedro neste bairro, que todos os anos acolhe “a diáspora toda, não só de Kuala Lumpur, mas também de Singapura, Perth (Austrália) e algumas famílias até vêm de Londres”.
“Acaba por ser ouro sobre azul” vir às festividades, admitiu, porque por um lado “as amizades continuam a ser trabalhadas” e por outro permite continuar a “fazer pesquisa, andar a conversar com as pessoas e falar com as pessoas e simplesmente ouvir como elas dizem [as palavras], os pequenos pormenores da língua que lendo um livro, ou tendo só a comunicação esporádica com a população, não é possível”
O facto de ser convidado há dois anos seguidos acontece por ter sido “extremamente bem recebido e por ter criado laços de amizade”. Vim para cá de braços abertos e cabeça limpa” e isso ajuda, admitiu.
o especialista em crioulo de matriz portuguesa kristang, uma língua agora ameaçada de extinção, que emprega a maior parte do seu vocabulário do português, mas a sua estrutura gramatical é semelhante ao malaio e extrai as suas influências dos dialetos chinês e indiano, afirmou que em Portugal existe a ideia de que o português falado um pouco por todas as ex-colónias “são línguas corruptas”.
“Isso não é de todo verdade”, afirmou o especialista, explicando que o que aconteceu foi uma língua que se manteve, mas que por contacto, com outras línguas, “ou por evolução própria, se desenvolveu”.
Fonte: Lusa