Brasil: Livro aborda transtornos mentais na infância
‘O menino que nunca sorriu’ se destaca com relatos sobre autismo, depressão, ansiedade e bullying em crianças.
Pedro (nome fictício) tinha sete anos quando chegou ao consultório do psiquiatra Fabio Barbirato, à frente do Ambulatório de Psiquiatria Infantil da Santa Casa. Estava acompanhado pela mãe, decidida em fazer com que ele sorrisse. É que Pedro, até aquele momento, nunca tinha sorrido para ninguém. O médico logo percebeu que o menino tinha depressão. O tratamento durou três anos e o menino virou personagem central de “O menino que nunca sorriu”.
Em “O menino que nunca sorriu”, Barbirato e sua mulher, a também psiquiatra infantil Gabriela Dias, relatam histórias de crianças e adolescentes em depoimentos a Gustavo Pinheiro. O objetivo é desmistificar, humanizar e subverter o esterótipo sobre pacientes de autismo, depressão, bipolaridade e vítimas de bullying.
Paulo Henrique, de 9 anos, começou tratamento no ambulatório para lidar com níveis elevados de ansiedade que muitas vezes o levam a se machucar, agredir colegas de turma e mostrar tendências suicidas. Sua mãe, Vânia, conta que o filho quase se atirou de uma laje antes de ser salvo pela reação rápida do pai.
— Ele já deu soco em vidro porque dizia que tinha de sofrer a mesma dor que causava em outros. É duro, e muitas pessoas não entendem. Já me disseram que o amarrasse numa cama e desse chineladas nele — lamentou.
Quando vai ao mercado, Paulo gosta de abraçar desconhecidos e, segundo a mãe, enquanto algumas pessoas reagem bem, outras o agridem e o chamam de “retardado e maluco”.
Foi justamente com o objetivo de acabar com generalizações que só aumentam o sofrimento dos pacientes que o psiquiatra Fabio Barbirato resolveu compilar no livro alguns relatos vividos no ambulatório que gerencia.
Um dos diagnósticos mais complicados é, como frisa o autor, o da depressão em crianças.
— As doenças mentais muitas vezes são veladas. Ouvimos muitas crianças dizerem que querem sumir — relata Barbirato.
Atualmente, no ambulatório são atendidas entre 470 e 500 crianças todos os meses. Um dos eixos do livro, o trabalho dos médicos é decisivo para a evolução dos pacientes. Diagnosticado com autismo moderado, o adolescente Felipe, de 13 anos, é um dos casos em que a atenção da equipe foi essencial: afetuoso e brincalhão, hoje está bem integrado na escola, adora brincar no computador e já consegue até mesmo falar algumas palavras em inglês.
REMÉDIO NÃO RESOLVE TUDO
Outros casos mais desafiadores já levaram os psiquiatras da equipe de Barbirato às lágrimas. Foi o que aconteceu com Nelson Macedo há algumas semanas. Um jovem paciente seu que sofre de mutismo seletivo falou com ele pela primeira vez. Diagnosticado com depressão desde os dez anos, havia interrompido as consultas por um tempo, mas recentemente conseguiu expressar o que sentia, abordar a tristeza e até mesmo os pensamentos suicidas.
— É preciso tratar estas doenças com naturalidade, e entender, por exemplo, que remédio não resolve tudo — frisou Macedo.
Estima-se que no Brasil existam dois milhões de crianças diagnosticadas com espectro autismo. Se forem computados os casos não diagnosticados, o número poderia, diz Barbirato no livro, chegar a três milhões.
O psiquiatra recomenda aos pais de crianças mais novas ficarem atentos à fala, alimentação, brincadeiras e integração social. O isolamento, entre outros sintomas, pode ser um sinal importante.
—Se tiver dúvida, sempre procure um bom profissional. Quanto antes os transtornos forem tratados, melhor será para a criança e, no futuro, para o adulto em que ela se transformará — concluiu o psiquiatra.