Angola: Jovens desenvolvem biofiltro para melhorar qualidade da água

António Quilala e Yonara de Freitas são dois jovens angolanos com formação em Química. Fruto do conhecimento na área, desenvolveram um projecto comunitário, denominado “Minha água, minha vida”, tendo culminado com a criação do Biofiltro, um aparelho capaz de remover 98 por cento das impurezas que se encontram na água, antes de ser tratada para consumo humano.

A máquina está capacitada para filtrar até 30 litros de água por hora. Um dos aspectos que mais se destaca na invenção dos jovens é a transformação de água completamente turva em límpida.
A pretensão de estender o uso do invento a todas as províncias do país esbarra nas dificuldades financeiras.

Cientes dos entraves acrescidos que as populações rurais enfrentam, por terem disponível água com péssimas condições, os mentores definiram essa franja populacional como principal grupo beneficiário.

Sem apoio financeiro, a concretização da ideia ficou-se, até aqui, pela distribuição grátis de 40 aparelhos a várias famílias de Luanda e do Bengo, que consumiam água em péssimas condições. O uso do filtro foi determinante, por exemplo, na fase em que das torneiras de muitas famílias, na capital do país, jorrava água turva.

O custo de produção de cada unidade, segundo revelou António Quilala, é de 45 mil kwanzas, tendo os jovens gasto perto de dois milhões de Kwanzas para produzir as 40 unidades.

Ao Jornal de Angola, Quilala e Freitas revelaram ter solicitado apoio a várias instituições do país, com destaque para os ministérios da Saúde e do Ambiente, recebendo, até agora, sinal positivo deste último. Através do Instituto Nacional de Gestão Ambiental, ficaram a saber que o Ministério do Ambiente tenciona acolher o projecto, para fazer parte de um programa de combate à malária e cólera, levado a cabo por este departamento ministerial em municípios.

“Apesar da intenção manifestada, nada ainda está fechado”, realçou António Quilala.

Habitantes das “3 Casas” deixam de consumir água de má qualidade

A alegria é visível, no rosto de cada habitante das “3 Casas”, bairro do município do Dande, a 60 quilómetros da cidade de Caxito, província do Bengro.

Os moradores receberam, no último sábado, os biofiltros, que lhes foram prometidos. Cada um, a seu jeito, espelhava a alegria que lhe ia na alma. Um ancião de 72 anos sublinhou que os aparelhos vão ajudar a reduzir os casos de diarreia que assolam regularmente a zona.

“É uma ajuda muito gran-de. Que Deus abençoe esses jovens”, frisou.

No bairro, a água que jorra é imprópria para o consumo, já desde a fundação, em 2003. José Mário Mangovo, director municipal da Energia e Água do município do Dande, admitiu ser do conhecimento da administração o problema vivido naquela localidade.

O responsável escusou-se a estabelecer uma data para o fim do dilema, mas garantiu haver um projecto para construção de pequenos sistemas de água na zona, que vão ser implementados em todas as localidades onde se verifica a escassez de água.

“Não posso avançar uma data para o fim do problema. Caso o faça, estarei a mentir”, realçou.

O problema é extensivo a outros bairros das redondezas, mas a área mais problemática, em termos de abastecimento de água, segundo revelou José Mário Mangovo, é a comuna do Úcua, onde se situa o bairro das “3 Casas”.

As mais de 600 pessoas que aí residem, na sua maioria camponesas, consumiam água em péssimas condições, retiradas de cacimbas que distam da zona sensivelmente um quilómetro.

Um número muito reduzido de famílias conseguia livrar-se do consumo daquele líquido, porque, com o pouco dinheiro arrecadado da venda de produtos agrícolas diversos, consegue comprar água potável em camiões cisternas, provenientes da cidade de Caxito. Os camiões só aparecem na zona quinzenalmente.

Como consequência do consumo da água em péssimas condições, o bairro tem registado muitos casos de diarreia, que chegam a provocar a morte a muitas crianças.

“Só este ano, morreram cinco crianças”, revelou José Kazola, presidente da Comissão de Moradores do bairro “3 Casas”.

Nas redondezas do bairro, passa um rio, localmente chamado “Queque”, que, entretanto, não pode ajudar, porque está quase sempre seco.

Há cinco anos nas funções, o presidente da Comissão dos Moradores disse ao Jornal de Angola que já fizeram chegar a preocupação à administração municipal do Dande, mas, até ao momento, ainda não se encontrou uma solução para o problema.

“Pedem-nos para ter esperança”, realçou o responsável do bairro. José Kazola disse, por outro lado, que a administração municipal prometeu construir, há já algum tempo, várias cacimbas no bairro, que funcionariam com energia solar. Mas, até agora, não se verificam indícios da aplicação do projecto.

Onde tudo começou

A ideia de criar o biofiltro surgiu em 2017, durante uma pesquisa que os jovens realizaram à água consumida por algumas famílias do município do Dande, província do Bengo.

“Qualquer ser humano ficaria comovido, ao constatar as condições da água que aquelas famílias consumiam”, desabafou Quilala. “Saímos daí com a firme convicção de que era urgente fazer alguma coisa para os ajudar”.

Conhecido nas lides académicas como “Molécula”, António Quilala é licenciado em Química, mestre em Química Aplicada, além de outras formações. Yonara de Freitas é graduada em Engenharia de Petróleos e também tem formação em Química.

Vantagens do biofiltro

Do ponto de vista físico, de acordo com os mentores, o biofiltro trata da turbidez (faz com que a água deixe de estar turva), da cor e do cheiro da água, deixando-a em condições de ser consumida.

O aparelho possui uma camada de filtragem extremamente fina, que permite peneirar as partículas minúsculas que tornam a água turva, segundo asseguraram os inventores.

Ao nível bacteriológico, o biofiltro elimina microrganismos que podem causar danos à saúde humana, caso sejam ingeridos ou entrem em contacto com o organismo.

“A camada de filtração do biofiltro apresenta um espaçamento extremamente fino, capaz de impedir a passagem dos microrganismos presentes na água”, garantiu Yonara de Freitas, acrescentando que, para tratamento da água, usam procedimentos similares aos da EPAL.

Os jovens garantem que, nos testes de microbiologia, conseguem uma eficiência de até 98 por cento de eliminação de bactérias. Este percentual sobe ao máximo na avaliação do ponto de vista físico (100 por cento) e na vertente química a água apresenta níveis de ferro extremamente baixos, ou seja, fora dos índices de perigo assinalados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“A água torna-se totalmente nítida”, salientou António Quilala, para quem o biofiltro não altera o PH da água (potencial hidrogeniônico, ou índice da acidez, neutralidade ou alcalinidade). “O que ele faz, em alguns casos, é torná-lo melhorar”, realçou.

No sábado passado, os jovens voltaram ao, “Bairro das 3 Casas”, na província do Bengo, para mais uma doação de 30 biofiltros. A vontade de produzir um número maior não se consumou, por dificuldades financeiras. Para o fabrico de novas unidades, os jovens contam, nesta altura, com a generosidade de pessoas singulares.

Antes de doarem o biofiltro a determinada zona, os jovens recolhem amostras da água consumida localmente e submetem-nas a testes, num laboratório por eles gerido. Assim, conseguem construir o biofiltro mais indicado para a referida zona.

Os testes são feitos inicialmente com água bruta, para aferir os parâmetros fora das recomendações da OMS. Só depois a água é levada ao aparelho.

Reportagem: César Esteves – Jornal de Angola

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