Armando Tito conta em Portugal a história de Cabo Verde nas mornas do seu violão
Armando Tito correu o mundo a tocar mornas com Cesária Évora, mas é em Portugal que há 50 anos partilha a sua paixão por este género musical que acredita ter ajudado os cabo-verdianos a ultrapassar as adversidades da pobreza.
Em vésperas do anúncio da Unesco sobre a inscrição da morna como património imaterial da Humanidade, Armando Tito é um homem ocupado, mas é célere a esclarecer que os seus 75 anos não o impedem de tocar horas e até dias seguidos.
“Não me canso. Posso passar dia e noite a tocar que não me canso. Sou feliz a tocar”, contou à Lusa, com o olhar fixo no violão que há 50 anos trouxe de Cabo Verde, de qualidade inferior ao que comprou com o dinheiro que ganhou a tocar com Cesária Évora, mas que tem um profundo valor sentimental.
E se de guitarras percebe Armando Tito, há uma que só a memória lhe enche os olhos de lágrimas: “Bronze”, a guitarra de B.Léza, considerado um dos maiores compositores de morna.
Armando Tito era um rapazito quando frequentava a casa de Francisco Xavier da Cruz, mais conhecido por B. Léza, tendo convivido com o músico e a sua mulher, Luísa, no Mindelo, ilha de São Vicente.
O músico é um dos privilegiados que já tocou na mítica “Bronze”. “É uma guitarra muito especial. Consta que foi feita em Portugal”, disse.
Antes de conhecer estas famosas cordas, Armando Tito começou aos seis anos a tocar numa frigideira. Só mais tarde é que o pai lhe ensinou as primeiras notas, mas sempre a desejar para o filho outro destino além da música, pois na altura essa era ocupação de quem não sabia fazer mais nada.
Mas nada havia a fazer, pois “já estava no sangue”.
Na altura, era à volta da música que as famílias se reuniam e talvez por isso existam tantos e tão bons músicos em Cabo Verde, muitos dos quais tiveram de optar pela diáspora e a ela levaram os sons da morna.
Mas coube a Cesária Évora mostrar a morna ao mundo. E nos palcos da “diva dos pés descalços” encontrava-se, entre outros, Armando Tito, que presenciou a ascensão da Cize, como era carinhosamente tratada, e com esta a do género musical.
“Em 1996, fomos a Paris para fazer oito espetáculos e acabámos por ficar três meses, percorrendo França, enquanto gravávamos o álbum Miss Perfumado, o qual continha o famoso Sodade”.
Da cantora recorda “a dignidade de quem não se vendia” e também um feitio especial.
Depois daquele disco, recordou, as pessoas começaram a dar muito valor e “agora todas as nações querem cantar o Sodade”.
Questionado sobre a magia da morna, Armando Tito recorda que este chegou a ser um género musical proibido, pois como não entendiam o que queria dizer (crioulo), tinham receio da mensagem que espalhava.
“A morna tem a ver com a nossa partida, com amor. Da saudade que fica quando partimos”, disse.
É essa a mensagem que tenta partilhar com os seus alunos que recebe no apartamento onde reside, na Amadora. Alguns já revelam a música no sangue. Aos outros, Armando Tito ensina como o pai lhe ensinou.
Tito já perdeu a conta aos álbuns que gravou e aos cantores com quem partilhou os palcos, como Ildo Lobo, Tito Paris, Bana, Tito Paris, mas também os da nova geração, como Cremilda Medida ou Lura.
E recorda com boa disposição os tempos em que tocava em “boîtes” até às 05:00 e depois seguia para gravar discos, os quais ficavam prontos por volta das 07:00.
Na altura, contou, havia fila para comprar discos de música cabo-verdiana em Portugal, onde a comunidade começava a crescer e a procurar a sua música, além dos portugueses que apreciavam este estilo musical.
Hoje são às dezenas os cantores cabo-verdianos que em Portugal se reúnem para ouvir e tocar umas mornas. Armando Tito acredita que “a morna nunca vai morrer” e concorda com todas as homenagens que possam fazer a este estilo musical, que é também uma forma de homenagear o povo cabo-verdiano.
“A música de Cabo Verde tem muito a ver com as dificuldades por que nós passámos. É preciso muito respeito”, disse, sublinhando que talvez por isso Cabo Verde tenha tão bons músicos, porque com a música “a gente leva a vida muito bem levada”.
Fonte: Lusa