O câmbio ilegal da esperança de Albino Mahumana

Uno as mãos sobre o teclado e começam a baralhar-se como se fossem cartas. Não sei por onde começar o texto. O texto é um estendal; é preciso saber por onde começar a prender os trapos e por onde terminar. Albino Mahumana é o nome que me leva ao texto.

O pincel de Albino é leve como um raio de sol que se dobra na parede, mas é duro, na textura, como a nódoa de lágrima num rosto onde a fome se expande.

O pincel deste rapaz é um conhecedor de diversos caminhos sociais: percorre as pegadas deixadas nos labirintos da pobreza pelas gargantas que engordam de fome, equilibra as mãos dos meninos que constroem casas na rua com restos de sombras e pilares de frio e faz o câmbio ilegal da esperança.

Vejo que o mesmo pincel serve como uma espécie de casa: acolhe a todos que nas margens do nada florescem como cogumelos vacinados de chuva.

As cores que Albino mistura diluem a nossa sociedade num balde de esperança. Mas que esperança? É possível falar de esperança numa sociedade onde todos acordam sempre com as almas drogadas de desesperança? Albino é esse reciclador de esperanças. Em cada alma procura compilar gotas de esperança e em cada quadro serve-nos a esperança que não temos.

As tintas de Albino, na tela, mostram-nos o seu verdadeiro sentido: o de flash fotográfico. São uma associação de flash’s que captam diversos momentos num só. Cavam, como mineiros, as rochas sociais para obter outros minerais de grande importância.

E o Albino, sentado, com o queixo pingando sobre a mão tece todos os momentos. Quero dizer, as tintas trazem-no diversos momentos cavados em um só; trazem-no de forma bruta, com agulhas de areia e gessos de pedras, a ele resta a tarefa de polir cada momento…

A simplicidade das telas de Albino revelam como a vida social é feita e procuram transmitir o que um olho inserido nesse eixo não vê. É como se Albino entrasse em diversas almas e furtasse gramas de preocupações e sinfonias de choros. Albino é um moçambicano que nos revela a todos como artistas da nossa pobreza.

É um artista que nos desperta a arte que todos nós temos: a de pintar a pobreza em todas as nossas acções.

 

*Sérgio Simão – Jornalista e escritor em Moçambique, Maputo. Jornalista free lancer em diversos órgãos nacionais e internacionais. Escreve sobre sociedade e artes.

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