Mafalala: um bairro onde cabem países

O cheiro que emana do carrinho das pipocas estrategicamente colocado entre a estrada e a valeta é, logo a seguir, anulado pelo cheiro bem mais intenso a peixe frito cozinhado num periclitante fogareiro, ali mesmo na rua, entre uma entropia organizada de gente, carros, porcos e galinhas!

E crianças, muitas crianças de sorrisos rasgados e pés descalços a dar chutos em bolas vazias. Aqui a vida faz-se na rua, onde tudo se vende, onde tudo se compra, onde tudo se improvisa. Um bairro onde cabem países, uma cidade dentro de outra cidade, assim é o mítico Bairro da Mafalala, paredes meias com Maputo.

O cinzento das casas anarquicamente construídas em madeira e chapa de zinco (os únicos materiais autorizados na época colonial por serem facilmente removíveis) não lhe rouba a cor, estampada nas capulanas que vestem as mulheres, nas bancas de frutas e legumes, ou nos grafitis gravados nos muros das ruas e ruelas.

Bairro de lata, casa de negros, mestiços e assimilados que até à independência do país servia de linha divisória entre a cidade de cimento de minoria branca e a favela de maioria negra, carrega vidas que o curso da história juntou numa mescla intercultural que não só perdura como foi aumentando ao longo do tempo.

Hoje ouvem-se por aqui cerca de duas dezenas de dialetos, num horizonte de 22 mil habitantes, 80% dos quais muçulmanos mas também católicos, hindus, budistas, crentes e descrentes numa sociedade desigual. É a outra face da Maputo chique, do chamado “retângulo branco’’.

Nasceu pobre e continua pobre, mas mantém viva uma riqueza cultural inultrapassável. Algumas associações jovens, na área do turismo e das tradições mais ancestrais, têm vindo a desenvolver trabalhos importantes nas áreas da educação e das artes.

Aliás a cultura e a arte sempre fizeram parte da vida deste Bairro! Aqui nasceram, cresceram, viveram grandes nomes do país: a poetisa e jornalista Noémia de Sousa, o escritor José Craveirinha, o primeiro presidente de Moçambique Samora Machel, Joaquim Chissano, também ele presidente, e o grande Eusébio, sim, o nosso Eusébio saiu daqui diretamente para Portugal!

Histórico, inspirador, étnico, também teve o seu Le Chat Noir, palco de tertúlias inspirado no cabaré francês do final do século XIX! Aqui nasceu a marrabenta (música moçambicana) e aqui nasceu, cresceu e vive a dona Marta João com quem esbarrei nas duas vezes que visitei o bairro.

Ficou-me na memória pelo nome pouco africano logo da primeira vez que fui à Mafalala. Anónima, de cara alegre, fala a andar e ao mesmo tempo que nos cumprimenta despede-se! Só parou mesmo para a fotografia!

 

 

 

 

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